quinta-feira, agosto 23, 2012

Plano rodoviário nacional

A suspensão das obras de requalificação do Itinerário Principal nº2 - IP2 no meu Baixo Alentejo deixou-me perplexo, adjetivo ao qual junto a indignação pelo desperdício de betão na megalomania de tal empreitada.
Não possuo um diploma neste ramo da engenharia que me possa permitir ter uma voz avalizada neste assunto, mas basta-me o bom-senso de quem assiste ao nascimento de devaneios faraónicos (feliz por não ter pretensões a semelhante título honorífico) para perceber que hoje, mais do que ontem, um país sem dinheiro tem que ser um país sem vícios. E nós bem que precisamos de nos livrar desta dependência insustentável do alcatrão!
As auto-estradas com muitos custos para todos, utilizadores ou meros espetadores, proliferaram nas últimas duas décadas no nosso país, impulsionadas por uma falsa sensação de necessidade aliada a modernidade saloia.
Não as critico. Contudo, a fórmula não podia estar mais afastada da realidade do país sobre-endividado em que vivemos.
A esmagadora maioria do território nacional não necessita de passagens desniveladas com um tráfego de uma ou duas dezenas de viaturas motorizadas por hora, ou de duas, três e mais faixas de rodagem em cada sentido, com uma taxa de utilização muitas das vezes ainda inferior.
A minha visão é mais comedida, porque sustentada apenas pelo erário público e pelas convicções ambientais que, aparentemente, deixaram de ser moda apregoar.
Qual é então a fórmula que aparenta ser mágica, e que de extraordinária nada tem?
A maioria das grandes soluções para os nossos problemas não se destacam pela sua complexidade, mas pela beleza das opções simples, que sempre estiveram à frente do nosso nariz, e que não conseguimos, por incompetência, processar e utilizar.
Na minha (re)visão do plano rodoviário nacional, todas as estradas nacionais (à exceção das de perímetro urbano) seriam constituídas por três faixas de rodagem onde, a cada dois quilómetros, a faixa central alternaria o seu sentido de uso, de modo a que em ambos os sentidos se pudessem efetuar ultrapassagens em segurança, evitando a invasão da faixa de sentido oposto para a execução de tais manobras.
Contíguo ao necessário espaço para imobilizações de emergência e passagem de veículos em marcha de urgência, protegido por um pequeno lancil delimitador teríamos uma via pedonal de dois sentidos, também alcatroada, de modo a permitir o tráfego de toda a multiplicidade de opções de transporte não motorizadas existentes no mercado.
As dimensões, seguindo as regras definidas pelas normas do traçado, código da estrada e de marcações rodoviárias, consistiriam em 1,50m de  largura de cada faixa de circulação pedonal/ciclovia, separados por marcações de 0,10m. 
O lancil separador/protetor teria uma largura de 0,20m e a altura suficiente para dissuadir qualquer tentativa automóvel de invasão de espaço alheio, quer para estacionamento, quer para manobras.
As faixas de rodagem automóvel teriam, cada uma, 3,75m de largura, separadas por marcações de 0,20m.
As bermas teriam 2,60m de largura, distância suficiente para albergar a paragem inopinada do mais largo dos veículos padronizados que circulam nas vias públicas.
O total asfaltado consistiria em 20 metros, bem menos que a largura média utilizada por uma auto-estrada, com a vantagem de albergar peões, ciclistas e veículos automóveis.
Em todas as restantes vias secundárias, que doravante designarei de regionais, este traçado sofreria uma pequena alteração.
Às estradas regionais seriam subtraídas as bermas e a terceira via, pelo que a sua largura total (com ciclovia incluída) seria aproximadamente metade da utilizada nas estradas nacionais.
Teríamos assim apenas duas designações para a rede viária nacional (estradas nacionais - ENxxx e estradas regionais ERxxx), simplificando todo o processo de identificação das mesmas. As auto-estradas já existentes permaneceriam inalteradas (Axx), sendo rejeitado qualquer novo projeto de construção adicional de vias deste tipo.
Quanto às velocidades máximas permitidas em cada uma das vias, manter-se-iam os 90Km/h para as estradas regionais, aumentar-se-ia a velocidade máxima nas estradas nacionais para 110Km/h e manter-se-iam também inalterados os 120Km/h de velocidade máxima nas auto-estradas.
As vantagens ambientais de incentivo ao uso de meios de transporte não poluentes gerado pela rede completa de ciclovias entretanto criada são tão sinistramente óbvias, que quase não necessitava de as enumerar:
1. O aumento do tráfego não motorizado contribuiria naturalmente para uma diminuição do volume de tráfego automóvel e para a diminuição da poluição nestas vias.
2. A sinistralidade seria reduzida drasticamente, pois quase todos os acidentes em ultrapassagens seriam eliminados.
3. A inexistência de discriminação nas diversas vias provocaria uma inversão dos ritmos migratórios humanos, em função da busca da mobilidade ideal, que neste momento apenas conduziu à desertificação galopante do interior português.
4. Num país com tanta tradição de peregrinações pedonais por itinerários rodoviários, poder-se-ia finalmente dar um passo de gigante na proteção dos peões.
5. Proporcionando os meios para a prática de alguns desportos (atletismo, patinagem, ciclismo...), inverteríamos a fatalidade perdedora olímpica que nos tem perseguido nas últimas edições.
6. Pela baixa da sinistralidade e aumento da condição atlética dos portugueses, poupar-se-iam muitos milhares de euros ao Ministério da Saúde e dores de cabeça aos gestores de listas de espera em hospitais.
7. Todos os portugueses viveriam mais desfogados financeiramente, por não pagarem qualquer taxa direta de utilização das vias, mas também por as parcerias público-privadas rodoviárias não provocarem um dano orçamental da ordem das dezenas de milhões de euros a cada década que passa.
E, para os que advogam ainda e sempre a extrema rapidez com que se circula nas auto-estradas, recordo-lhes a velha máxima acerca do seu único propósito, cada vez mais atual, de estas se constituirem como... 
... a forma mais rápida de chegar às filas!


Quem se livra das dívidas enriquece.

George Herbert

Um abraço,

Afonso Gaiolas