terça-feira, novembro 20, 2007

112 Euros por Minuto

É hoje lançada mais uma campanha de sensibilização junto da sociedade portuguesa, desta vez para desincentivar o recurso ao número de emergência 112 por aquela franja da população que trabalha afincadamente para que todos os dias primeiros de Abril sejam um sucesso nesta nossa Nação.
É uma campanha Pro Bono, leio num reputado jornal diário, o que significa que todos os intervenientes colaborarão gratuitamente na iniciativa.
Quase me sentia impelido a aplaudir, não fora a sensação de desperdício que me enevoa o ecrã, e me impede de terminar a leitura do artigo noticioso com um sorriso positivista na face.
Quantas mais campanhas de sensibilização serão precisas para que percebamos que, por si só, elas resolvem coisa nenhuma. Que só suportadas, inicialmente, por medidas coersivas se conseguem os resultados pretendidos no curto prazo. Resultados esses passíveis de, gerada uma progressiva consciência grupal conseguida à custa de algumas multas/ processos / julgamentos / condenações mediáticas (aqui é que surge o verdadeiro serviço público de jornalismo), criar uma auto-regulação na sociedade, extinguindo o comportamento indesejado a médio prazo.
Parece-me que não percebemos ainda que o atraso face aos países mais desenvolvidos não é só económico. Tentamos copiar ideias e ideais, sem analisar a realidade da nossa população face aos restantes. Onde agora bastam apenas algumas campanhas de sensibilização, foram implementadas durante décadas medidas coersivas, algumas sobreviventes até ao presente, mantidas na sombra, mas vivas o suficiente para que a sociedade não degenere.
Escrevi há tempos um artigo cáustico em relação à sociedade americana, mas não tenho outra alternativa senão começar por ela para vos dar um exemplo de como se combate este tipo de problema. A história passa-se num hotel, detentor do mais estúpido sistema de gestão telefónica existente por aquelas bandas. Para se aceder a uma linha exterior, os utentes tinham somente que marcar os números 9, seguido do 1, e depois o número desejado. Nada de especial, não fora o infeliz acaso de estarmos a um dígito apenas de discar o número nacional de emergência médica. Claro está que, no meio de tanto estranho numa terra estranha (Belguinhas claro, que um tuga nunca é estranho em terra alguma...) lá houve quem por engano marcasse os tão famigerados três números, ainda que seguidos de mais dez para tentar falar para casa.
O que se passou em seguida foi deveras curioso... ou talvez não.
No espaço de tempo que medeia a percepção do erro, do reconhecimento da culpa, do desligar atabalhoado do telefone e de uma contagem de cinquenta para um em numeração romana, chegou a polícia local, que apenas ficou satisfeita após um sumário interrogatório e promessas de regeneração do personagem em questão.
Sendo certo que muitas das chamadas em solo nacional são efectuadas de telefones públicos, ainda assim creio que uma acção concertada com as polícias locais poderia quebrar a sensação de impunidade, sempre ela, a combater os princípios da moralidade social.
Lembro-me, há aproximadamente duas décadas atrás, da luta hercúlea que Portugal travou pelo uso do cinto de segurança. Bem me podem tentar convencer que foram as campanhas de sensibilização, por si só, que mudaram as mentalidades. A verdade é que foram os escudos a menos na carteira e a sensação de que a polícia realmente actuaria na presença deste tipo de transgressão, que inicialmente forçou a mudança. Naturalmente, com o passar do tempo, as campanhas de consciencialização fizeram o seu trabalho e é, com naturalidade, que hoje censuramos quem quer que o não use ou apregoe que o não faz.
E se dúvidas houver desta teoria, basta recordar uma recente campanha de prevenção rodoviária, onde um cidadão deficiente, vítima de um acidente de viação, tentava, com grande esforço, abotoar uma camisa, para demonstrar as consequências dos acidentes. Quanto tempo bastou para que, o que à partida parecia ter sido uma boa iniciativa, tivesse degenerado em mais uma adenda ao profícuo anedotário português?
Porquê?
Por ser uma campanha inconsequente, não suportada por medidas efectivas de combate activo aos desvios ao código da estrada. Por inócua, tornou-se ridícula. Quase como a sátira “fedorenta” ao comentário de Marcelo Rebelo de Sousa acerca do aborto.
- “É proíbido? Sim. E o que me acontece se o fizer? Nada!”
Bem sei, mais uma facada na teoria do bom selvagem... mas se realmente queremos homogeneizar a sociedade na assunção de bons valores morais, temos que adequar as medidas ao estágio de desenvolvimento que atravessamos, independentemente do que isso filosoficamente represente.
E para quem gosta de soluções e fica farto de teorizações que de pouco valem, proponho uma nova campanha, de sensibilização ou do que lhe quiserem chamar... cujo lema: 112 euros por minuto (o valor a pagar por cada brincadeira de mau gosto), mais despesas de envio (neste caso de todos os meios accionados para o efeito), acredito ser muito mais eficaz no redireccionamentos das chamadas destes brincalhões para as inúmeras linhas astrológico-eróticas existentes, estas sim, mais adequadas ao espírito da brincadeira.


“A Humanidade não é um estado a que se ascenda.
É uma dignidade que se conquista."
Jean Vercors


Um abraço,

Afonso Gaiolas
“The Jackal”