domingo, março 13, 2011

Premiar compensa?

As questões do mérito, da premiação e do castigo tomaram, ao longo dos séculos, diferentes proporções na medida da educação das crianças e jovens de todas as civilizações. Todas, é certo, utilizadas na convicção de melhor fornecer à população uma medida de justiça e recompensa face ao esforço individual.
Estas práticas tiveram, naturalmente, um efeito bidireccional de contágio à idade adulta, nas mais variadas situações onde é requerida a avaliação do mérito individual.
Neste, como noutros assuntos, se nos encontrarmos no fluxo da corrente, dificilmente algo nos espanta ou questiona, pois tudo está normalizado, de acordo com os padrões que a generalidade das pessoas assimilaram como vigentes. Contudo, se a nossa convicção é divergente, é muito fácil que as tentativas de desmoronamento psicológico se sucedam, pois quebrar o "status quo", significa, para a esmagadora maioria, uma inoportuna saída da sua zona de conforto.
Este artigo começa com a a finalização da leitura de um outro, numa célebre revista destinada a pais inseguros, mina de ouro para psicólogos "la palissianos".
Rezava então a história que um pobre diabo, aluno medíocre na escola, ao qual tinha sido prometida uma moto no caso de passagem de ano (acentuadamente uma história a preto e branco, tão distante já vai o stress escolar com o fantasma da retenção na mesma classe) e que, pese embora não ter atingido o objectivo, se deleitou ainda assim com a belíssima aceleração da dita motoreta.
Teceram-se as mais variadas considerações acerca da gravíssima falha dos pais enquanto educadores, que o premiaram, mesmo sem merecimento, numa euforia de razão que devorou mais do que uma página da dita publicação mensal.
Não desdenhei do artigo... mas fez-me vir à superfície a convicção de quão distante estou desta maioria que educa.
Prometer um prémio para a execução de uma tarefa que é, por definição, suposto concretizarmos?
É neste momentos que agradeço a clarividência de meus pais neste campo específico da educação como, em boa verdade, em tantos outros, alguns deles só ao longo dos anos da idade adulta aprendi a valorizar.
A resposta à pergunta anterior é NÃO!!
Porquê?
Porque mina a base referencial de educação e justiça.
Deve um pai receber um prémio por acarinhar os seus filhos, quando esse é o seu dever?
Deve um piloto receber alvíssaras quando executa uma aterragem segura, quando é essa a sua obrigação?
Deve um aluno ser recompensado por ter boas notas (nem menciono o chavão "passar de ano", por ser demasiado degradante para uma sociedade que se queira evoluída e minimamente exigente para consigo mesma) quando é essa apenas a sua incumbência durante todo o ano lectivo?
Definitivamente... não.
E, pela mesma ordem de ideias, sou terminantemente contra os prémios e bónus, quer sejam de produtividade, quer por cumprimento de objectivos pré-definidos.
Que maneira mais astuta de minar todo o sistema e incutir um factor perverso na complexa engrenagem que é o sistema de remunerações face ao trabalho que cada um desenvolve na sociedade.
No presente sistema (o dos bónus e prémios), recompensa-se o trabalho bem feito.
E quanto ao mal feito...?
Recompensa-se pelo pagamento do vencimento natural!
Tal como um pai deve estar permanente empenhado em oferecer tudo o que intelectualmente possui à sua descendência e, sendo esse apenas o seu trabalho, não esperar receber mais do que o amor incondicional de seus filhos, também dele não se espera menos do que o total empenho em qualquer outra tarefa social, neste caso remunerada.
Nesta ordem de ideias, o que quererá dizer o bónus?
Que se reconhece que as pessoas não dão o melhor de si nas tarefas que lhes são cometidas, sendo portanto necessário oferecer algo mais para que verdadeiramente se esforcem?
Ou significará que, bastando ser medíocre (aquele que, tendo potencial, o não aplica por desleixo ou incúria) se receberá o ordenado previsto para a função desempenhada?
Vou tentar ainda ignorar os que, mesmo sendo medíocres, recebem, por definição estatutária, os referidos bónus e prémios (o tal exemplo do infeliz rapaz e a sua motocicleta).
É este o espelho de uma sociedade onde a remuneração se dá por garantida, independentemente do esforço, não se castigando o laxismo nem a falta de empenho. Uma sociedade onde cada um só dará o seu melhor e se tornará mais produtivo, se houver recurso a chantagens pecuniárias. Uma sociedade onde, por outro lado, se reconhece tacitamente que a remuneração é indigna do esforço exigido, e assim se oferecem bolos-rei de final de ano para fazer esquecer tamanha tacanhez, malabarismo que torna Portugal, ano após ano, num dos países onde mais se acentua o fosso entre a remuneração dos gestores de topo e a generalidade dos trabalhadores indiferenciados. Em qualquer dos casos, é a transparência que perde.
Num sistema justo, não existirão manobras de diversão, nem remunerações/recompensas injustas (por defeito ou por excesso). Existirá a convicção de que será justo auferir um determinado valor face ao trabalho desempenhado, mas que não será exigido menos que o total empenhamento individual na execução de cada tarefa social.
Só assim poderemos passar, transversalmente, do rótulo de geração apoucada... para uma orgulhosa geração de descendentes da espada de dois metros de Henriques!
Afonso Gaiolas