domingo, fevereiro 03, 2008

Catenárias e Sinusóides

Se a sua felicidade fosse mensurável, como a avaliaria?
E o que significa afinal o vocábulo?
Provavelmente o número de respostas diversas seria equivalente ao número de indivíduos aos quais formulássemos a pergunta.
Embora existam alguns factores universais potenciadores de tal estado de espírito, o modo como cada um, a cada momento da sua vida, os vê e aceita, torna a definição tão camaleónica, que até o mais conceituado dicionário tem dificuldade em definir.
Deixo os dedos divagarem sobre este tema, na sequência da leitura de um artigo científico, a publicar na revista "Social Science and Medicine", que descreve a linha da felicidade ao longo da nossa vida como um U, coincidindo os picos com a infância e a terceira idade, e o período mais difícil na ternura dos quarenta.
Não questiono a validade dos mais de dois milhões de inquéritos em 72 países, nem tão pouco a competência científica dos autores do estudo, mas recuso-me a assumir os resultados como uma fatalidade, porque isso equivaleria a demonstrar a falência do modelo de vida a que os humanos conseguiram ascender. E muito mais importante que acumular e sintetizar dados, parece-me relevante tentar perceber o porquê da descida abrupta na percepção da felicidade.
Do que precisaremos para que a catenária se transforme numa sinusóide de pequeníssima amplitude e elevada frequência, cujo topo namore o limiar da felicidade pura?
Os escassos anos de experiência pessoal não me permitem testar a validade de qualquer teoria, mas consigo reconhecer alguns factores como determinantes para um bem sucedido resultado final. Em primeiro lugar é essencial destacar a consciência, ou falta dela. É fácil identificar estados de felicidade pura em crianças que, contudo, quando questionadas, serão incapazes de identificar o conceito. Não havendo consciência, os estados de felicidade são os mais genuínos, porque são apenas os momentos de contentamento que contam, por si só, sem adição de expectativas, motivações ou desígnios. Verdade nua e crua, a mesma felicidade que identificamos nos nossos animais domésticos, porque resultante de uma entrega incondicional a cada instante, sem anseios colaterais. Desperdício, poder-se-á pensar, se apenas for considerada a limitada capacidade infantil de delineação de uma fita temporal que permita a reconstrução futura de tais eventos, mas importantíssima na percepção global de como fomos protegidos e educados na fase inicial da nossa vida.
Passada a fase coerente, entramos na fase delicada....
Já algum de vós parou para pensar na incoerência da frase, chavão de uma das mais recentes campanhas publicitárias de um banco português - "Aqui vou ser feliz!"?
Parece que, de um dia para o outro, depois de termos forçado a criança dentro de cada um de nós a mergulhar na fossa das Marianas, passámos a precisar de planear o tempo e o lugar onde nos vamos sentir mais leves do que aquilo a que o planeta nos parece querer obrigar. Queremos lembrar-nos de tudo o que nos ensinaram, mas esquecemo-nos daquilo que soubemos sem uma única lição, e que constitui a solução para a miserabilidade da procura infrutífera do "graal" da felicidade no "Spirit of Ectasy", e outros símbolos semelhantes. Em primeiro lugar, porque a palavra não foi criada para ser conjugada no futuro, pois fazendo-o, corremos o risco de deixar atrás de nós um manto cinzento escuro de frustrações e decepções, que nos impedirá alguma vez de chegarmos ao nosso objectivo... por simplesmente deixarmos de perceber qual é.
E depois... bem, digam o que disserem, comprem o que comprarem, vistam o que vestirem, conduzam o que conduzirem, ou pilotem o que pilotarem, as melhores e mais marcantes emoções e momentos das vossas vidas não terão afinidade alguma com o papel-moeda... serão simplesmente o resultado da vossa mais simples interacção com o mundo, e com as pessoas que vos rodeiam. Insensatez, menosprezar o poder dos cifrões? Não, se percebermos que servirão apenas para construir o Trieste das nossas vidas, resgatarmos o pequenito acocorado no fundo e lhe mostrarmos quão belas podem ser as fossas abissais. Será que precisaremos de esperar por um abraço apertado dos nossos netos, para que voltemos a encarar o mundo como nunca o deveríamos ter deixado de fazer?
Recuso-me a escorregar pela última vogal do alfabeto!...
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"Os homens que procuram a felicidade são como os embriagados que não conseguem encontrar a própria casa, apesar de saberem que a têm."
Voltaire
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Um abraço,
Afonso Gaiolas