segunda-feira, outubro 23, 2006

Aos que olhando, se recusam a sentir

Sempre me senti tentado a fazer juízos com base em primeiras impressões e, dirão que tonteria... a fazer tábua rasa do provérbio que relaciona caras e corações.
A razão, chocante, ou talvez não... por nunca ter desligado verdadeiramente o ser humano de toda a legião de animais que compartilha esta rocha ambulante a que chamámos Terra. Gosto de dar o exemplo do tão elegantemente aclamado melhor amigo do Homem, por ser o animal que julgo conhecer melhor. Reconhecem ser relativamente pacífico catalogar determinadas raças como amistosas, ou outras ainda como agressivas, embora todas pertencendo à versão amestrada do canis lupus (familiaris, como gostamos de lhes chamar). E precisamos de passar horas a estudar em pormenor cada exemplar destas raças para chegarmos a esta conclusão? Concordam que não. Um retriever do labrador será sempre um cão amistoso, independentemente do prisma com que o vejamos, assim como outras raças, como o dogue argentino ou a generalidade das derivações de raças agrupadas pelo termo pit bull, terão um potencial agressivo e dominador muito mais vincado na sua "canicidade", por paralelismo com o termo personalidade.
Podem alguns dos primeiros ser agressivos, e alguns dos outros, dóceis como cordeiros? Sem dúvida, sem que retire uma vírgula à generalização que acabo de fazer!
Areias movediças... demasiado movediças na transição para seres humanos. Eu sei... e reconheço que a má interpretação, ou distorção de ideias semelhantes pode ter efeitos desastrosos, sem necessitar de trazer à memória a triste história da primeira metade do século XX.
Passei quase trinta anos da minha vida defendendo acesamente o papel educacional como ferramenta impulsionadora da moralização e bondade no mundo. Continuo a pensar da mesma maneira, mas não desdenho agora da estrutura helicoidal que nos deu cinco dedos em cada mão. Costumava rir-me quando me diziam que determinados irmãos, criados pela mesma mãe e pelo mesmo pai, "da mesma maneira", pudessem originar personalidades totalmente díspares. Que era impossível, que o problema estava na parcialidade de quem fazia tais afirmações, e sobretudo pelo não reconhecimento de tratamento diverso a cada um dos seres.
Reconheço agora, por experiência própria, o quanto distante estava da realidade. Apercebi-me de como, consciente ou inconscientemente, toda a humanidade se auto-adormeceu, no tocante ao instinto animal de reconhecimento de perigo ou animosidade baseada no aspecto físico de algo ou alguém, talvez por vergonha do seu passado recente e de tudo o que isso potencialmente pudesse acarretar. Mas, tal como a energia nuclear, tão mal amada pelo sangrento uso bélico pelo qual infelizmente mais ficou conhecida, também neste caso julgo ser um erro, mas sobretudo um desperdício de talento, ignorar este potencial.
Não pretendo rotular permanentemente pessoas (porque acredito que a transformação mental, para o bem ou para o mal, se faz acompanhar de uma transformação física, aparente ou não, conforme os "olhos" com que queiramos ver), mas é importante que não reneguemos o instinto, que provavelmente tanta ajuda nos deu na escalada da cadeia alimentar.
Não consigo encontrar melhor suporte para esta estranha divagação, que o exemplo das ligações amorosas, ou a catalogação que cada um faz do que é belo ou repulsivo. A minha opinião é a de que, aquilo a que chamamos de química (na ausência de melhor denominação), não é mais do que o reconhecimento inconsciente de similaridades psíquicas, reflectidas nas feições de um indivíduo, com a nossa própria personalidade, sendo válido para aquilo a que romanceamos como amor à primeira vista, ou qualquer outra inexplicável falência ou desfalecimento do coração humano.
Procurem um destes dias , se assim o desejarem, encontrar similaridades entre pessoas que conheçam, e ficarão (ou não), surpreendidos com a convergência aparentemente absurda entre os aspectos físicos e psicológicos dos indivíduos.
Concordem ou não com tudo o que vos acabei de escrever... sorrisos e sentimentos sinceros conjugar-se-ão eternamente com o verbo apreciar... muito!
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"O rosto é o espelho da alma"
Marcus Tullius Cícero
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Um abraço, um beijo, ou um mimo (consoante o leitor),
Afonso Gaiolas

sábado, outubro 21, 2006

Acto de contrição

Custa-me sempre começar...
Não é a ausência de assunto, nem tão pouco desinteresse em manter este hábito a que me forcei para mostrar ao mundo, mas especialmente a mim mesmo que me tornei vivo, num sentido mais lato que a tradução pura do acto reflexo das batidas ritmadas do mais trabalhador músculo do nosso corpo.
Custa-me a exposição, por me saber avaliado no que de mais íntimo possuo... algo em que não pensei no dia em que decidi começar esta junção de peças soltas de um "puzzle" que há muito deixou de ser apenas meu, e que, no final, apenas serve o propósito de tornar mais simples a edificação de mais dois que, tenho a absoluta convicção, serão incomparavalmente melhores e mais complexos que o seu predecessor.
Sinto que há conceitos que não podem pura e simplesmente ser adequadamente discutidos ou expressados na forma verbal, porque o impulso nos tolda a racionalidade... e é demasiado fácil que se sobreponha a emoção onde deveria emergir a razão. Para não mencionar o malvado vento... que agora e sempre volta a insistir em levar todas as palavras que proferimos!
E, acima de tudo, continuo a não me perdoar pelo facto de não ter tido coragem para começar mais cedo... por eles! Não para que tomem as minhas posições ou opiniões como realidades únicas, mas para que com elas possam olhar, questionar e finalmente criar aquilo que considerarem ser a sua visão do cosmos e da escala de valores que regerá as suas vidas.
Espero que, com o advento de mais esta série de noites afastado do sítio onde pertenço, se esgotem os argumentos do demónio da imobilidade para tão prolongada ausência!
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"Só se é curioso na proporção de quanto se é instruído"
Jean Jacques Rosseau
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Godspeed*,
O vosso pai
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*(perdoem-me o egoísmo, mas este desejo é exclusivamente para eles... e a ausência de tradução, por não conseguir encontrar um equivalente apropriado para a nossa língua)