sábado, novembro 03, 2012

Do amor e outras histórias

O assunto dos assuntos.
O motor de todo o desenvolvimento, a razão de todas angústias, sorrisos e lágrimas derramadas ao longo da História da humanidade.
Em todas as suas formas, formatos e corações, a natureza encarregou-se de codificar de forma tão indelével este sentimento que, ainda que o não reconheçamos em animais e plantas, ele se encontra em todas as formas vivas do nosso planeta.
Consegue convictamente negar que não é o amor que leva o macho da viúva negra a abdicar da sua existência para assegurar a continuidade da sua espécie?
Talvez pense que os animais apenas têm instintos e que, mesmo o mais maravilhoso sentimento de proteção materna animal apenas faz sentido num contexto de preservação de espécie e não na relação de amor mãe-filho.
Gostamos de nos colocar num patamar civilizacional tão elevado que não raras vezes nos esquecemos das nossas humildes origens... e que não há muitos milénios atrás ainda nem do clube dos bípedes fazíamos parte.
Será que o instinto e o amor estarão assim tão dissociados?
Ou será o segundo um prolongamento do primeiro, refinado por séculos de evolução intelectual, paralela à evolução animal?
Não possuo a resposta correta. Nem eu nem o melhor dos psicólogos.
Todos olhamos para o amor exclusivamente com os nossos olhos, cuja visão (ainda) mais ninguém partilha e com eles forjamos este conceito tão pessoal como, paradoxalmente, simultaneamente transmissível e intransmissível.
Transmissível na multiplicação dos efeitos da sua partilha, intransmissível porque a sua perda resulta invariavelmente na extinção do sujeito vivo.
Esta dissertação não tem, por isso, qualquer veleidade em abrir um portal de racionalidade num assunto tantas vezes conotado com a irracionalidade mais primária que o ser humano pode suportar.
Há algumas luas atrás escrevi um artigo intitulado "Aos que olhando, se recusam a sentir".
Gostava de por aí começar, por acreditar que a espiral de divórcios nacional poderia facilmente ser estancada se as pessoas fossem capazes de sentir os outros como um todo e identificarem similaridades (que não apenas a compatibilidade sexual) que lhes permitisse ter um grau de certeza que se coadunasse com o compromisso permanente, na altura da escolha do seu parceiro.
A generalidade das sociedades evoluídas há muito abandonaram a ignóbil prática de tentar forçar o que é impossível ser imposto. Uniões por conveniência social, monetárias ou de cariz diplomático foram a principal fonte de sofrimento e angústia durante séculos, mas não fazem sentido numa sociedade que se pretende igualitária e preservadora da liberdade individual.
Porque é que as pessoas continuam então a errar?
Por falta de amostragem, por comodismo e por ignorarem os seus sentidos.
Por se alhearem do essencial, valorizando apenas o acessório.
Por não perceberem que essa será a grande missão das suas vidas!
E, se no passado, ainda que libertos de amarras, a amostragem (falta dela) fosse o principal obstáculo à descoberta da fonte de felicidade eterna, o presente (mas especialmente o futuro) trar-nos-á ferramentas de socialização que permitirão a seleção parcelar de compatibilidades, evitando as perdas por desconhecimento.
Muitos dos que hoje argumentam contra relacionamentos virtuais, que quase não têm equivalência física no mundo real, esquecem ser provavelmente fruto de relações, também elas inicialmente na sua maioria virtuais, num tempo de troca de juras de amor na volta do correio, sem correspondência física que não a essência do perfume dos subscritos ou da tinta usada nas missivas.
As vantagens dos dias de hoje superam largamente todas as desvantagens que se lhe possam apontar, conquanto se entendam as limitações que a ausência de contacto direto proporciona.
Já todos se aperceberam da perfeição humana apregoada na principal rede social mundial. Se assim fosse, se todos tão perfeitos fossemos, seria de esperar que o mundo se tivesse tornado num local muito melhor do que realmente é.
O problema está na ausência de limites à auto-promoção individual.
Enquanto que, numa conversa, social ou amorosa, é necessário um equilíbrio entre interlocutores, de modo a que um eventual distúrbio narcisista não desmorone toda a conversa ou mesmo o relacionamento, no mundo virtual podemos facilmente manter um monólogo audiovisual sem interrupções, que não as de quem comenta (mas não interfere), pois detemos o poder de controlar as respostas de todos os intervenientes.
É fácil pois criar uma aura de perfeição, facilmente anulada em contacto direto por quem tenha os sentidos bem despertos, mas virtualmente impossível de desmontar neste admirável mundo novo.
E quanto à velocidade dos acontecimentos?
Choca, às mentes desgastadas pelo dobrar de fios de areia em prisões de vidro, que as relações de hoje se concretizem e se desenvolvam a uma velocidade até há umas décadas atrás impensável.
Acontece que a intensidade e o volume de horas passadas com o parceiro, quer em companhia física, quer em companhia virtual, por cada unidade temporal, qualquer que seja a que queiramos utilizar, é muito superior (ou potencialmente superior). E isso leva a que a distância entre cada passo dado na relação se torne cada vez menor.
A única grande desvantagem é a ausência de tempo de amadurecimento e de racionalização dos acontecimentos, que evite passos em falso ou dados na direção errada.
Passos que, nalguns dos casos, se conectam com atos irreversíveis e com consequências em terceiros que deveriam ser os primeiros!!
Devem pois as novas gerações ouvir os conselhos dos que os que os precederam têm para lhes dar, de modo a evitar aprender apenas com os erros próprios?
Egoisticamente, apenas se quiserem.
Como já disse há pouco, este é um caminho pessoal e, simultaneamente transmissível e intransmissível que cada um trilhará como bem entender.
Podemos não gostar, podemos mesmo questionar, a verdade é que a (r)evolução no modo como as pessoas se relacionam é um facto civilizacional consumado.
Não tem já idade nem sexo, nem tempo nem lugar.
Após milhões de páginas ocupadas com este assunto, séculos de poemas e versos declamados numa ode a tão terno sentimento, sinto que todo o esforço de tradução do intraduzível, no entanto, se resume à seguinte frase:
Quando os humanos perceberem finalmente que a beleza do amor está na naturalidade de quem encontra sem nada procurar, então tenderá para zero a angústia de quem perde uma vida à procura sem nunca encontrar.


"Se o amor cabe numa só flor, então é infinito."
                                                                                                                                        Antonio Porchia


Afonso Gaiolas