segunda-feira, dezembro 27, 2010

Economia, aos olhos de um leigo

Abate-se sobre a nossa Nação uma nuvem negra de desmoronamento económico.
Que nos deslumbrámos com o crédito fácil, diz-se…
Que as famílias, como o Estado, gastam mais do que geram, socorrendo-se de terceiros que amorteçam a sua voracidade consumista.
Que a economia é mesmo assim… que o consumo tem que aumentar para que fiquemos financeiramente mais saudáveis!
Vejamos uns quantos exemplos, que amplamente demonstram quem fica mais saudável com este paradigma.
Se uma dada população consumir a sua porção diária recomendada de alimentos, é inquestionável que seria desejável que se mantivesse indefinidamente este precioso status quo. Acontece, porém, que se se duplicar a dose a esta mesma população, tecnicamente, a economia fica a ganhar, já que todas as empresas produtoras/fornecedoras de alimentos, teoricamente duplicariam também os seus lucros. Apesar destas pessoas não necessitarem de tais bens, dos malefícios directos e indirectos que resultam da progressiva obesidade que inevitavelmente resultará de tal medida, dos gastos acrescidos com o sistema de saúde (este sim… a salivar, porque uma população saudável não consome recursos e não gera lucros a esta indústria), apesar do exaurir progressivo dos recursos naturais do circuito fechado que é o nosso planeta Terra, apesar da imoralidade da existência de outros seres que necessitariam deste desperdício para não sucumbir às mãos do anjo da fome, apesar de tudo isto… o frenesim da economia consegue ludibriar qualquer laivo de racionalidade e justificar mediaticamente, subliminarmente, que… assim se vê a pujança de um povo.
Este infeliz exemplo encontra similaridade numa miríade de outras situações que infelizmente nos embaraçam, se pararmos para pensar nelas. Quantos de nós já se sentiram tentados a trocar de automóvel, telemóvel, televisão, computador, vestuário… pelo simples impulso do consumo imediato, sem questionar racionalmente se essa troca era realmente necessária. É verdade que a economia ganha, tanto mais, quanto mais se trocarem os bens, mas à custa dos iludidos que trabalharão cada vez mais para ter menos.
Que não se tenham ilusões… terão efectivamente menos. Porque, no final, quando olharem para trás, perceberão que apenas inundaram de dinheiro algumas, poucas pessoas, que sem escrúpulos se aproveitaram da imbecilidade da maioria lobotomizada.
É tempo de parar um pouco para pensar no provérbio popular “quem não deve não teme”.
Se vos contar uma história de uma família que comprou, a crédito quase vitalício, uma casa, um automóvel de muitos Quilowatts, um motociclo de ainda mais Quilowatts, uma televisão de mais de 50 polegadas, umas férias num paraíso perdido do Pacífico, um sofá em pele de muitos lugares, um computador de muitos Giga Hertz, um itelemóvel de décima geração e ainda um casaco de pele de arminho (apenas para irritar o mesquinho vizinho ambientalista) e que, graças a este maravilhoso contributo para a solidez do sistema financeiro vigente, devolve mensalmente à caridosa instituição que lhe fez o favor de emprestar o dinheiro, noventa por cento do rendimento líquido mensal do casal, sobrando-lhe uma mão cheia de quase nada para efectivamente sustentar quem de si herdará as feições mas, esperemos para bem de todos, não a capacidade cognitiva, todos se insurgirão perante tamanha falta de bom senso. Porém, se o Estado efectuar exactamente o mesmo percurso que esta tresloucada família com as contas públicas (que por a todos pertencerem, assim se chamam), parece ser normal, porque o sistema económico assim o exige.
E porque o sistema financeiro assim o exige e, porque assim, porque devemos, passa uma Nação com 900 anos de História a temer um punhado de instituições de notação financeira, geridas por neo-yuppies que, entre uma atribuição de AAA e BBB+, se entretêm com uma partida do muito in squash, enquanto se deleitam com uma refeição muito in de sushi.
É tempo de perceber que merecemos mais que estar reféns desta nova geração de pseudo-donos da verdade, que mais não são que marionetas ao serviço dos que realmente puxam os cordéis de todo o mundo civilizado.
Que é essencial ser auto-suficiente na maioria das necessidades do país, ao contrário do que nos quiseram fazer crer ao longo das últimas duas décadas e meia, pois só assim conseguiremos manter a verdadeira autonomia e independência, independentemente das uniões e parcerias caducas que fizermos ao longo dos séculos.
Pessoalmente sentir-me-ei muito envergonhado se, como país, face a uma birrinha açucarada, não conseguirmos resistir a rupturas de stock em vésperas de épocas festivas.
Não querendo ser fundamentalista, que os extremos nunca são bons conselheiros, precisamos de repensar as prioridades produtivas do país, para que não mais passemos a vergonha de importar peixe, ainda que possuindo uma Zona Económica Exclusiva superior a três vezes a dimensão do antigo campo de futebol do Almodovarense, entre outros paradoxos tão difíceis de explicar, se olhados com olhos de quem não se ilude com indemnizações e milhões que compensem a entrega de parte da alma lusitana em troca de um lugar garantido na galeria de seguidores de Filipe, num tempo em que uma bandeira significava mais que um punhado de euros (ou dólares, no sonho desvairado de um alqueire de loucos com chapéu de rapazinho das vacas).

Afonso Gaiolas