sábado, dezembro 29, 2012

Sui Caedere

Só as palavras, ainda que em latim, causam calafrios.
Se a si não lhe causa... está mais morto que vivo e ainda se não deu conta. E qualificá-lo como morto era efetivamente uma metáfora.
Este tema requer uma sensibilidade tal na aproximação, qualquer que lhe seja feita, que hesitei por quase um mês a expressão escrita da minha perspetiva do assunto.
Suicidam-se os fracos?
Suicidam-se os fortes?
Quem se suicida continua mais vivo que os mortos que não o fazem?
Durante muito tempo mantive na minha caixa de frases de outros que me parecem simplisticamente belas, uma a este respeito que resumidamente qualificava o suicida como o mais corajoso de todos os cobardes.
Ainda penso nela... concordo com o seu espírito na íntegra, mas existem alguns desvios à padronização que é inevitável explicar... para não correr o risco de, a quem não tenha ainda passado por todo o processo de racionalização deste assunto, lhe pareça simplista sem apreender toda a sua plenitude.
Todos precisamos de ser complicados para nos conseguirmos tornar simples. E quanto mais simples, menos imperfeitos. E quanto menos imperfeitos, mais próximos de perceber a complicação do Mundo... que no final nos vai parecer tão simples.
Cresci, no meu Alentejo, com a convivência natural e próxima do suicídio na terceira idade.
Esta região, se considerada isoladamente, posiciona-se nos lugares cimeiros de todo o planeta na infeliz lista de suicídios por cada 100.000 habitantes.
Este primeiro tipo de suicídio, que qualificarei de suicídio por inutilidade, toma nesta região mais visibilidade, dada a combinação única dos fatores de baixa religiosidade (que naturalmente inibe um ato pecaminoso desta natureza) com o envelhecimento extremo e a desertificação humana galopante. Ora, numa estatística onde se tratam valores relativos, é fácil concluir que a média estará desvirtuada. Não existe pois qualquer problema psicótico na juventude alentejana, que está bem viva e se recomenda. Existe sim um problema geracional e cultural de sensação de inutilidade após o término da vida ativa e que, aliado ao exemplo recebido dos anciãos ancestrais, fez com que a combinação dos dígitos 605 com a palavra forte fizesse parte do glossário de conhecimentos de toda a juventude da planície, que cresceu e se tornou gente nas últimas décadas do século passado. 
Muito diferentes são as estatísticas de suicídio da Europa do Norte.
Aqui, o problema torna-se mais complexo, pois são os novos (na faixa etária dos 15 aos 54 anos) e não os idosos que proporcionalmente mais se suicidam.
Numa sociedade evoluída, com tanto acesso ao conhecimento e, especialmente, numa região do globo com um dos mais elevados índices de desenvolvimento humano, seria expectável que os jovens se sentissem mais apoiados e confiantes face ao futuro.
Acontece que o desenvolvimento humano não é sinónimo de felicidade humana.
Neste período natalício tive uma discussão acesa sobre este mesmo assunto... essencialmente onde tentei transmitir esta ideia errada da visão da galinha da nossa vizinha que... não tenhamos ilusões... não é mesmo maior, nem tão pouco melhor do que a minha.
Ansiamos copiar todos os modelos da Europa desenvolvida, esquecendo-nos dos efeitos secundários que eles também acarretam.
Aspiramos emigrar para todos estes países, apenas para perceber, passadas algumas frias e escuras badaladas de inverno, que não há papel-moeda que possa comprar os raios de sol que aquecem este retângulo, as temperaturas amenas, a brisa temperada de um mar que não gela, o pôr-do-sol cor da laranja mais doce da laranjeira dos nossos pais, e a ausência de pressa de quem dá ao dinheiro o valor que ele realmente tem... ansiando apenas ter o suficiente para que com ele não tenha o seu espírito que se ocupar.
Troco todo o petróleo e todo o bacalhau noruegueses por uma vida em Portugal.
Oferecê-la-ia a todos quantos desconhecem existir uma vida para além da pressão social, capitalista ou não, de seis meses de escuridão ou de semanas intermináveis de nevão atrás de nevão.
E esta singela oferta, impossível porquanto se não pode oferecer o que não nos pertence por direito, seria suficiente para inverter a tendência para o abismo que toda aquela geração nórdica aprende gradualmente a cultivar.
[...]
Passemos agora para o patamar da alienação...
As repúblicas advindas da rutura da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas situam-se no topo da lista dos suicídios por país, em valores relativos.
Nestes casos, parece-me ser absolutamente preponderante o alcoolismo (que também prolifera na Europa do Norte), pois alia uma sintomatologia depressiva à desinibição e anulação dos efeitos repressores naturais ao ato de anulação da própria vida.
A prova deste fenómeno está na proporção invulgarmente alta de homens que se suicidam, estando o valor feminino, nalguns casos, bem abaixo da média de todos os países do mundo.
[...]
Por último... a mais perigosa de todas as incursões...
Até agora, tudo foi fácil.
Inutilidade, alienação, pressão social, perda de dignidade (o infeliz caso nacional japonês e coreano, potenciado pela ausência de censura social), tudo são razões óbvias, facilmente explicáveis e aceites para que este flagelo humano se continue a suceder.
Passemos a um patamar "Shakespeariano"...
Albert Camus advogava que o único problema filosófico realmente sério era justamente o suicídio. Que o julgamento de que se a vida valia ou não a pena ser vivida responderia à questão mais fundamental da filosofia.
Concordo em absoluto.
Mas a minha aproximação à vida é a mesma que tenho perante a religião, o que facilita a resposta, ao invés de deixar a questão etereamente a pairar sobre as nossas cabeças.
É fácil ser bom quando sabemos ter um ser omnipresente que nos julgará por todos os atos praticados.
Difícil é continuar a escolher ser bom, mesmo nas ocasiões em que acreditamos saber que ninguém nos julgará pelos nossos atos.
Fácil é escolher viver, porque a religião ou a sociedade ou o instinto nos compele a tal, porque acreditamos que fazemos parte de um plano de alguém maior do que nós, que não precisamos conhecer ou vislumbrar, por reconhecida incompetência intelectual, mas no qual cegamente acreditamos, pois não menos somos do que "o povo eleito".
Difícil é continuar a escolher viver, mesmo duvidando, não da existência do plano, mas da nossa inclusão como atores principais (ou sequer figurantes terciários) para além das finitas expirações que cada um terá neste berlinde que rodopia ritmado ao sabor da gravidade.
Agarro-me à esperança de que, se não eu, os meus filhos, os filhos de meus filhos, ou os filhos dos filhos de meus filhos... possam um dia reescrever o plano e mostrar um sentido a toda a humanidade, mostrando-lhe o seu lugar... não por baixo mas ao lado do Criador, tal como um filho que digno cresce e faz por merecer um dia poder estar sentado à direita de seu pai!


Morrer?
Não tenho medo... tenho pena!


Afonso Gaiolas



quarta-feira, dezembro 05, 2012

O feitiço da Lua

Lentos são os dias.
Tão lentos que parece que voam.
A lentidão passou a ser parte integrante do seu ADN. Contudo, nunca o tempo pareceu escorrer tão veloz por entre dedos incapazes há muito de o suster, de o aprisionar e preservar como se do bem mais precioso do mundo se tratasse...
É este o paradoxo de ser velho!
Ser velho é ser lento, é encarnar Paul Rayment, soberbamente imaginado por Coetzee, mas com a agravante de o adjetivo se manter válido, mesmo sem qualquer diminuição física do protagonista.
Ser lento não é sinónimo de ser burro.
Ser lento não pode ser sinónimo de ser descartável.
Trapos somos todos. Uns engomados depois de lavados, outros descolorados pela passagem do tempo, outros ainda parcialmente rasgados pelas agruras às quais a sorte nos sujeitou.
Todos oriundos da mesma gaveta... todos com o destino final traçado na própria data de fabrico.
Se a ilusão da imortalidade da irreverente juventude pode atenuar o facto de ignorarmos (e desdenharmos??) de todos quantos não tenham, aparentemente, bebido o tão famoso quanto improvável elixir e pareça diminuído aos nossos olhos, a maturidade que a carruagem intermédia do tempo nos devia trazer, deveria ser suficiente para que as abjeções a que infelizmente assistimos cada vez com mais frequência fossem de vez eliminadas da nossa sociedade.
Gostamos de a apelidar de sociedade de valores...
Gostamos de apregoar a cada vez maior preocupação com as nossas crianças, com a sua educação e o seu futuro.
Gostamos de apregoar que somos um povo que preserva a sua memória coletiva, os memoráveis feitos e a fibra dos seus antepassados.
A verdade...
A verdade que dói e corrói é que não gostamos dos nossos velhos.
Não gostamos do transtorno que causam às nossas vidas cada vez mais individuais, individualistas e solitárias.
Não gostamos do empecilho  e entrave ao controlo pleno das nossas possessões e decisões, das nossas casas e recantos e das nossas conversas e silêncios.
Não gostamos de incontinência, de cheiros, de maleitas, de tropeções e apoio em corrimões.
Não gostaremos por certo de o ouvir, mas não passamos de uma cambada de parvos armados em intelectuais!
Aquele tipo de parvos que, quando se lhes aponta a lua... olham para o dedo.
Aquele tipo de parvos que se vê livre de quem tudo deu por si enquanto se tornava um adulto independente e os deposita agora, como retorno, num lar muito asseadinho... longe da sua vista, para eventualmente depois, que a crise toca a todos, os resgatar mais tarde para sua casa... não por amor aos progenitores mas ao rendimento mensal extra que isso lhe pode trazer.
Falamos muito de negligência parental, da punição judicial e social de pais que maltratem, menosprezem ou abandonem os seus filhos.
Recusamo-nos a falar de negligência para com os nossos ascendentes.
Recusamo-nos a assumir que é da mais elementar justiça moral que, quem deu o melhor de si durante os melhores anos da sua vida, renunciando à luxúria da conceptualização narcisista do EU em detrimento de todos os outros em seu redor, merecerá mais consideração que o tratamento assético dado por estranhos, numa casa estranha, tantas vezes numa terra estranha ou, como se a perda de mobilidade e energia o fizessem regressar a um estágio de pré-desenvolvimento, o tratamento infantilizado dado por aqueles que, afinal, de criancinhas mimadas disfarçadas de engravatados ridículos não passam.
Quantos acreditam que a colocação num colégio interno trará mais amor e melhor educação para a cidadania aos seus filhos?
Pois... a maioria considera que o amor dos pais é insubstituível, e que nenhuma outra hipótese que não o crescimento saudável em ambiente familiar deve ser considerado, independentemente do esforço e sacrifício familiar que tenha que ser feito para orquestrar toda a vida em redor da(s) novas vidas que despontam.
Estas mesmas pessoas consideram, no entanto, que a melhor solução para o problema de velhice de seus pais é o seu internamento num lar de terceira idade, oferecendo como retribuição de todo o amor em si depositado ao longo de toda a sua vida, uma visita quinzenal ou mensal que diminua o peso de uma consciência que o teria... se chegasse a existir!
Sou contra os lares?
Não, não sou.
Tal como não sou contra a existência de orfanatos.
Sou contra o abandono de velhos em hospitais enquanto duram as férias em Grandvalira, contra o esquecimento a que são votados em lares ou outras habitações de ocasião, contra o tratamento infantilizado de quem sabe mais na ponta de cada cabelo branco que três mestrados integrados de Bolonha, contra o desdém com que se ouvem as suas opiniões e conselhos, apenas porque a voz deixou de ser delirantemente cristalina.
Sou absolutamente a favor de uma censura social tão naturalmente forte que por si só seja suficiente para auto-regular uma sociedade que está a deixar de perceber o valor das coisas que não se podem trocar em sites de compra e venda de artigos supérfluos.

Por favor... pare de uma vez por todas de fixar o dedo e contemple quão bela se lhe afigura a Lua.

Afonso Gaiolas
 

sábado, novembro 03, 2012

Do amor e outras histórias

O assunto dos assuntos.
O motor de todo o desenvolvimento, a razão de todas angústias, sorrisos e lágrimas derramadas ao longo da História da humanidade.
Em todas as suas formas, formatos e corações, a natureza encarregou-se de codificar de forma tão indelével este sentimento que, ainda que o não reconheçamos em animais e plantas, ele se encontra em todas as formas vivas do nosso planeta.
Consegue convictamente negar que não é o amor que leva o macho da viúva negra a abdicar da sua existência para assegurar a continuidade da sua espécie?
Talvez pense que os animais apenas têm instintos e que, mesmo o mais maravilhoso sentimento de proteção materna animal apenas faz sentido num contexto de preservação de espécie e não na relação de amor mãe-filho.
Gostamos de nos colocar num patamar civilizacional tão elevado que não raras vezes nos esquecemos das nossas humildes origens... e que não há muitos milénios atrás ainda nem do clube dos bípedes fazíamos parte.
Será que o instinto e o amor estarão assim tão dissociados?
Ou será o segundo um prolongamento do primeiro, refinado por séculos de evolução intelectual, paralela à evolução animal?
Não possuo a resposta correta. Nem eu nem o melhor dos psicólogos.
Todos olhamos para o amor exclusivamente com os nossos olhos, cuja visão (ainda) mais ninguém partilha e com eles forjamos este conceito tão pessoal como, paradoxalmente, simultaneamente transmissível e intransmissível.
Transmissível na multiplicação dos efeitos da sua partilha, intransmissível porque a sua perda resulta invariavelmente na extinção do sujeito vivo.
Esta dissertação não tem, por isso, qualquer veleidade em abrir um portal de racionalidade num assunto tantas vezes conotado com a irracionalidade mais primária que o ser humano pode suportar.
Há algumas luas atrás escrevi um artigo intitulado "Aos que olhando, se recusam a sentir".
Gostava de por aí começar, por acreditar que a espiral de divórcios nacional poderia facilmente ser estancada se as pessoas fossem capazes de sentir os outros como um todo e identificarem similaridades (que não apenas a compatibilidade sexual) que lhes permitisse ter um grau de certeza que se coadunasse com o compromisso permanente, na altura da escolha do seu parceiro.
A generalidade das sociedades evoluídas há muito abandonaram a ignóbil prática de tentar forçar o que é impossível ser imposto. Uniões por conveniência social, monetárias ou de cariz diplomático foram a principal fonte de sofrimento e angústia durante séculos, mas não fazem sentido numa sociedade que se pretende igualitária e preservadora da liberdade individual.
Porque é que as pessoas continuam então a errar?
Por falta de amostragem, por comodismo e por ignorarem os seus sentidos.
Por se alhearem do essencial, valorizando apenas o acessório.
Por não perceberem que essa será a grande missão das suas vidas!
E, se no passado, ainda que libertos de amarras, a amostragem (falta dela) fosse o principal obstáculo à descoberta da fonte de felicidade eterna, o presente (mas especialmente o futuro) trar-nos-á ferramentas de socialização que permitirão a seleção parcelar de compatibilidades, evitando as perdas por desconhecimento.
Muitos dos que hoje argumentam contra relacionamentos virtuais, que quase não têm equivalência física no mundo real, esquecem ser provavelmente fruto de relações, também elas inicialmente na sua maioria virtuais, num tempo de troca de juras de amor na volta do correio, sem correspondência física que não a essência do perfume dos subscritos ou da tinta usada nas missivas.
As vantagens dos dias de hoje superam largamente todas as desvantagens que se lhe possam apontar, conquanto se entendam as limitações que a ausência de contacto direto proporciona.
Já todos se aperceberam da perfeição humana apregoada na principal rede social mundial. Se assim fosse, se todos tão perfeitos fossemos, seria de esperar que o mundo se tivesse tornado num local muito melhor do que realmente é.
O problema está na ausência de limites à auto-promoção individual.
Enquanto que, numa conversa, social ou amorosa, é necessário um equilíbrio entre interlocutores, de modo a que um eventual distúrbio narcisista não desmorone toda a conversa ou mesmo o relacionamento, no mundo virtual podemos facilmente manter um monólogo audiovisual sem interrupções, que não as de quem comenta (mas não interfere), pois detemos o poder de controlar as respostas de todos os intervenientes.
É fácil pois criar uma aura de perfeição, facilmente anulada em contacto direto por quem tenha os sentidos bem despertos, mas virtualmente impossível de desmontar neste admirável mundo novo.
E quanto à velocidade dos acontecimentos?
Choca, às mentes desgastadas pelo dobrar de fios de areia em prisões de vidro, que as relações de hoje se concretizem e se desenvolvam a uma velocidade até há umas décadas atrás impensável.
Acontece que a intensidade e o volume de horas passadas com o parceiro, quer em companhia física, quer em companhia virtual, por cada unidade temporal, qualquer que seja a que queiramos utilizar, é muito superior (ou potencialmente superior). E isso leva a que a distância entre cada passo dado na relação se torne cada vez menor.
A única grande desvantagem é a ausência de tempo de amadurecimento e de racionalização dos acontecimentos, que evite passos em falso ou dados na direção errada.
Passos que, nalguns dos casos, se conectam com atos irreversíveis e com consequências em terceiros que deveriam ser os primeiros!!
Devem pois as novas gerações ouvir os conselhos dos que os que os precederam têm para lhes dar, de modo a evitar aprender apenas com os erros próprios?
Egoisticamente, apenas se quiserem.
Como já disse há pouco, este é um caminho pessoal e, simultaneamente transmissível e intransmissível que cada um trilhará como bem entender.
Podemos não gostar, podemos mesmo questionar, a verdade é que a (r)evolução no modo como as pessoas se relacionam é um facto civilizacional consumado.
Não tem já idade nem sexo, nem tempo nem lugar.
Após milhões de páginas ocupadas com este assunto, séculos de poemas e versos declamados numa ode a tão terno sentimento, sinto que todo o esforço de tradução do intraduzível, no entanto, se resume à seguinte frase:
Quando os humanos perceberem finalmente que a beleza do amor está na naturalidade de quem encontra sem nada procurar, então tenderá para zero a angústia de quem perde uma vida à procura sem nunca encontrar.


"Se o amor cabe numa só flor, então é infinito."
                                                                                                                                        Antonio Porchia


Afonso Gaiolas

sábado, outubro 27, 2012

Dois mil e umas centenas

E se o futuro nos trouxer a maior revolução, mas também o maior dilema de todos os tempos?
Até onde aceitaria abdicar da sua privacidade, se isso significasse um avanço intelectual proporcional sem paralelo na História da Humanidade?
Gosto de pensar nos avanços tecnológicos sem os perigos e precalços que derivam da imperfeição humana.
Triste sina a História continuar a mostrar-me o quanto continuo afastado da realidade, e que o senhor Hyde que cada um tenta reprimir dentro de si se continua a sobrepor, demasiadas vezes para o grau civilizacional em que julgamos estar, ao doutor Jekyll que aparentamos ser.
Assisto com um misto de admiração e assombro à proliferação de novos acessórios tecnológicos, que cada vez mais nos conectam à rede global, quer de conhecimento, quer de socialização virtual.
Sendo certo que muitas empresas de hardware e software, baseadas ou não no vale do silício, ainda faturarão muitos milhares de milhões de euro-dólares enquanto durar a ânsia de estatuto baseada na ostentação, o futuro estará, no entanto, muito distante deste agregado de peças externas de metal e cristais líquidos.
A grande revolução tecnológica (por muito que custe aos adeptos de ipad e iphone e ipod em cima da mesa do jantar, qual crista engalanada para fêmeas impressionáveis) consistirá na transição dos mecanismos externos para a aventura interna de interação biomecânica / biónica.
A minha visão do futuro da espécie humana, que permitirá um incremento de vida útil de aproximadamente vinte anos, ainda que mantendo a esperança média de vida de cada um, reflete uma realidade onde a escola (como a conhecemos) deixará de fazer sentido, não existindo qualquer hiato temporal entre aquisição de conhecimentos e colocação dos mesmos em prática, em jeito de retorno altruista à sociedade.
À nascença, a cada nova vida será implantado um sistema biónico que complementará a limitada capacidade cerebral humana com a incomensuravelmente superior capacidade de armazenamento e processamento de informação dos mais recentes nanocomputadores quânticos (ou quaisquer outros que se lhe sucedam).
Estes sistemas, para além da referida capacidade de exponenciação intelectual e de imediatização do conhecimento adquirido, terão a capacidade de interligação em rede, com todos os restantes seres detentores desta capacidade.
Tornam-se assim possíveis de concretizar os conceitos de telepatia e, numa perspetiva radicalmente mais avançada, torna-se possível materializar a expressão "ver o mundo com outros olhos".
Tal como hoje podemos partilhar os vídeos que filmamos, no futuro poderemos partilhar, ao vivo e a cores, aquilo que os nossos olhos, ouvidos, pele, nariz e todos os restantes orgãos estiverem a receber que mereça ser partilhado, a cada momento, com quem entendermos, se assim o entendermos, sem restrições quilométricas ou de qualquer outra espécie.
Maravilhoso mundo novo?
Sem dúvida!
Com muitas ameaças à felicidade humana?
Mais que talvez...
Qualquer sistema biónico, porque desenhado e programado por humanos, terá falhas mais ou menos percetíveis, que poderão ou não ser exploradas, bastando a existência de más intenções que as justifiquem.
Não mais um ser humano implantado poderá ter a certeza da sua privacidade.
Não mais poderá estar certo de ser dono absoluto da sua consciência.
A manipulação intelectual torna-se um ato físico, ao invés de psicológico, podendo forçar toda uma comunidade de indivíduos a adotar determinados comportamentos ou seguir determinada ideologia que seja subrepticiamente introduzida em linhas de código dissimuladas.
Em última instância, o controlo absoluto das faculdades físicas de um corpo poderá ser corrompido, com a subtração de toda a informação sensorial de um organismo vivo (consciente ou não para esse ser), ou mesmo a sua utilização física de forma diversa do seu comportamento expectável, face à sua personalidade.
Devemos portanto parar a evolução?
Ainda que o quiséssemos, não o conseguiríamos...
Não conseguiu a igreja na idade das trevas e não o conseguirá nenhuma outra entidade, ainda que tão ou mais poderosa, no futuro.
É um caminho de sentido único... e ainda bem que assim é, pois suspeito que o relógio universal contra o qual corremos não se compadece com obscurantismos temporários.
Devemos é evoluir moralmente mais rapidamente do que o fazemos no processamento de qubits. Só assim conseguiremos evitar a repetição da infeliz história da coexistência da maravilhosa descoberta da energia nuclear e da menos maravilhosa vaporização de Hiroxima e Nagasaki.
O futuro reserva-nos desafios inimagináveis à luz do conhecimento de gerações de seres que ainda há dias batiam num ecrã táctil como se estivessem no processo de fecho da porta do quintal.
Porém, o receio do desconhecido nunca foi motivo suficiente que travasse um punhado de aventureiros que, por mar, por terra e pelo ar, ao longo dos séculos, mostraram às hordas de seres bípedes remanescentes que aos humanos está destinado um papel maior na orquestração cósmica (ainda que o cosmos não o saiba, ou por ora se recuse a admitir).
A única grande ameaça a todo este processo evolutivo reside, e como tudo isto soa a um muito desgastado clichê, no fosso cada vez mais cavado entre ricos e pobres.
Num ambiente tendencialmente capitalista, criar-se-á um grupo de indivíduos intelectualmente avançados e com capacidades sobre-humanas de relacionamento e partilha de informações (os que financeiramente coseguirem custear os "apêndices" e seus melhoramentos), enquanto que no outro lado da barricada teremos os pobres condenados à regressão no processo evolutivo, ainda que alguns deles nascidos com potencial acima da média dos restantes.
Rezo a um Deus no qual não acredito para que esse dia de ditadura monetária não chegue a despontar e possamos dar, no futuro, iguais oportunidades a quem igual nasce, seja numa manjedoura de Belém ou em berço debruado a ouro num dos aposentos de Windsor!
 
 
A única forma de prever o futuro é ter poder para formar o futuro.
Eric Hoffer
 
 
Afonso Gaiolas


sábado, outubro 06, 2012

Paternidade

Nada se lhe compara.
Nada o impediria de destruir dois mundos e três sóis para que permanecessem seguros.
Ninguém mais conseguiria, como eles, anular o seu animalesco  instinto de sobrevivência, sempre e quando fosse necessário.
Há algo que recusará sempre colocar numa escala de valores, pela razão da existência do primeiro parágrafo deste artigo.
Chamam-lhe pai, e segui-lo-iam até ao fim do mundo, porque sabem que nunca o seu mundo terá um fim, enquanto o seu pai estiver por perto.
A paternidade não é muito... não é pouco... é tudo!
E ser tudo significa que nunca será suficiente o empenho de todos os dias da sua vida, se os menosprezar num só momento em que porventura assentiu a que a preguiça dominasse a sua vontade.
Muitos pedagogos, mestres e especialistas se perguntam hoje a razão da má educação, da desobediência, da disfunção social, da amoralidade aparente, do desrespeito recorrente... e do professor na escola que os aguente!
...
Preguiça!
A mãe de todos os males.
O ato de educar não admite menos que o melhor de si, e isso implica um esforço consciente em todos os atos de todos os dias da vossa vida em comum.
Os dividendos que tirará deste esforço não são descritíveis numa folha de papel, nem se medem em graus académicos ou desportivos... contudo, um leve sopro do seu sentido sentir-se-á na entoação como pronunciam a palavra pai quando se lhe dirigem.
...
Não abdique, uma só vez, em toda a sua vida, de os repreender, se eles violarem as suas regras ou valores. Será nessa vez em que foi complacente, que eles sentirão que aquele valor moral não era assim tão importante, por a sua violação ter sido deixada impune.
...
Não discrime negativamente os seus filhos em relação a qualquer outra criança, uma única vez em toda a sua vida.
Acredite, nenhum pai ou mãe alheios, nenhuma paz social ou grupal vale a descrença de um filho que assiste a dois pesos e duas medidas, apenas por não serem as suas crianças a cometer qualquer ato repreensível. Sim, isso implicará ter de repreender os filhos dos outros. Sim, isso implicará ter que estar preparado para algumas desavenças com protetores de filhos perfeitos. No final, terá valido a pena a lição comum.
...
"Façam o que eu digo e façam o que eu faço."
Ninguém vai respeitar o que quer que seja que não tenha sido gerado pelo exemplo. E o seu exemplo valerá sempre mais que todas as aulas de educação cívica de todos os anos de escolaridade deste mundo.
Se quiser que eles mergulhem em águas que um tubarão considere frias, apenas para lhes ensinar a relação vencedor/vencido na luta entre o corpo e a mente... terá antes que o demonstrar em águas que um urso polar considere, não muito, mas extremamente frias!
...
Ensine-os a não terem quaisquer ídolos e a respeitarem todos por igual, sem que isso represente qualquer desprestígio, seja para que individualidade for.
Explique-lhes que o reconhecimento de um ídolo significa a mutilação das aspirações pessoais próprias, uma vez que tacitamente se auto limita enquanto idolatrar quem quer que seja, sob que forma seja.
...
Repreenda-os fisicamente tão cedo quanto possível, páre de repreeendê-los fisicamente tão cedo quanto possível.
Esta é a fórmula mais simples de todas quantas possam existir, concordo que controversa na inversa proporção.
Os seus filhos não são melhores que uma cria de um qualquer mamífero superior. Quanto mais cedo perceberem quais são os limites que não tolerará que ultrapassem, mais cedo deixarão de os testar.
Não quererá nunca ter que assegurar a sua autoridade  numa fase adiantada da sua evolução, porque se fisicamente ela for necessária, será com violência  que terá que conviver!
...
Dê-lhes autonomia naquilo que eles precisam, não confunda autonomia com desleixo e abandono.
Deixe-os testar o medo, a coragem, o abismo, a temeridade, as dentadas, as vitórias, as conquistas, as alturas e as aventuras... 
Coloque o ónus do falhanço e das feridas neles próprios e não em si.
Quando lhe perguntarem "Pai, posso saltar?", responda serenamente, "Se achas que consegues...". 
Esta singela resposta anula a irresponsabilidade do ato e força-os a tomar uma decisão que, se mal tomada, fará com que a responsabilidade do falhanço recaia sobre eles próprios.
...
Repreenda-os se se magoarem, em consequência de atos irrefletidos e decisões mal tomadas.
Parecer-lhes-á terrível (porque esperariam conforto na dor) mas fá-los-á  perceber que não existem exceções nos valores, na moralização, mas também no amor.
...
Não tenha receio de os seus filhos não gostarem, ou deixarem de gostar de si.
Isso nunca chegará sequer a ser uma possibilidade!
Amá-lo-ão ainda mais por saberem que o pai nunca "adormeceu", e saberão, a seu tempo, que as repreensões demonstram tanto ou mais amor que os carinhos.
...
Resista a ser lamechas e super-protetor.
Desvalorize as dores, as doenças que não o chegam a ser, as quedas, o sangue, as bolhas e o cansaço.
Não os deixe confundir as dores do orgulho ferido com as dores que os avisam de que algo dentro deles precisa de proteção.
...
Não lhes exija menos que o melhor.
Os seus filhos não nasceram melhores que os milhares de milhões que os precederam... mas será o que exigem de si mesmos que os tornará melhores que todos os sete mil milhões existentes mais os sete mil milhões que hão-de vir!
...
Faça-os sentir que o seu amor por eles não tem valor conhecido. Que todos os milhões de todas as moedas deste e de todos os mundos não valem um sorriso, um abraço ou um beijo seus.
...
Prepare-os para o pior. Ensine-os a fazer acontecer o melhor.
Faça-os relativizar os sacrifícios, para que sacrifícios não sejam.
Faça-os menosprezar as dificuldades, para que como dificuldades não as olhem.
Faça-os transformar as ações de cada dia em pedaços de uma sinfonia que, embora nesta idade lhe não consigam apreender toda a complexa sonoridade, mais tarde constatarão vir ser a mais bela jamais tocada.
...
Ensine-os a escolherem ser bons... mesmo não existindo censura vísivel para as alturas em que o não sejam!
...
Ensine-os a ter sempre sorte!
Mostre-lhes que ter sorte... dá muito trabalho!

Não espere nunca qualquer agradecimento.
Quando olhar para trás, com o distanciamento que muitas décadas podem proporcionar, verá que apenas fez o trabalho que era seu, simultaneamente por direito e por dever!
E isso bastar-lhe-á!


De um pai que gostaria que os seus filhos um dia para si olhassem e vislumbrassem o quanto extraordinários foram os pais de seu pai,

Afonso Miguel dos Santos Gaiolas


domingo, setembro 30, 2012

Anonimamente popular

Quem gostava de ser famoso, erga o braço direito no ar!
A avaliar por este princípio de década frenético, a esmagadora maioria poria não um, mas os dois membros superiores em riste.
O talentoso jovem Mark Zuckerberg destapou, há uns anos atrás, a caixa de pandora dos quinze minutos de fama individuais, democratizando-os a todos os possuidores de uma ligação à rede computacional global.
Parece ser maravilhoso, todos poderem viver vidas clonadas de revistas cor-de-rosa e aspirarem a serem reconhecidos na rua em cada passo que deem.
Será mesmo assim tão idílico?
Qual é a grande vantagem em conhecermos e sermos conhecidos, em reconhecermos e sermos reconhecidos?
Há um sentimento de pertença que é inegável quando somos acarinhados. Há um sentimento de afinidade quando não nos ignoram. Sentir que fazemos parte de um grupo, de uma comunidade, tudo isso nos protege e nos guarda.
Mas... e quando nos guardam sem o querermos?
Imagina-se ser perseguido por fotógrafos quando sai para ir despejar o lixo de sua casa?
Ou a ter gente a espiar as suas janelas, em busca de algo que valha a pena ser rebuscadamente espalhado por desconhecidos seus?
Nascemos, crescemos e morreremos sempre com o síndroma da galinha da vizinha que parecerá ser sempre melhor que a minha.
Se nascemos anónimos, ansiamos pelo dia em que seremos famosos.
Perguntem a alguém muito famoso, qual o seu maior desejo? Se a resposta não for passar despercebido no meio da multidão... ou não estará a ser honesto ou, muito provavelmente, do seu apelido constarão o substantivo Castelo e o adjetivo Branco.
É então benéfica a exposição pessoal resultante do uso desvairado das aplicações Facebook, Twitter, entre outras?
Depende.
Depende daquele artigo de mercearia que não pode ser adquirido ao quilograma... o bom senso.
A sensatez diz-nos a quase todos que a exposição física nos pode marcar negativamente. Porém, existe sempre alguém que se ilude a pensar que se expuser 95% do seu corpo como veio originalmente a este mundo, as amizades se multiplicarão da noite para o dia.
Este mesmo tipo de iludidos julga ser a oitava maravilha do mundo social, o facto de ser assediado na rua por caçadores de autógrafos, de imagens ou de vídeos seus.
Confunde-se o facto de devermos agir, em todas as circunstâncias, como se nos contemplassem... com a infeliz realidade da substituição desta última palavra pelo soturno vocábulo espiassem. E, acreditem, não quererão nunca que isso vos aconteça.
Muitos psicólogos e psiquiatras de renome nacional e internacional defendem que, atualmente, não possuir um perfil no facebook, pode-se constituir como sintoma de uma patologia maníaco-depressiva, psicopata ou de extrema exclusão social.
Quer isto dizer que devemos expor-nos indiscriminadamente na rede?
Ou que, pelo contrário, devemos votarmo-nos ao ostracismo rebelde de quem renega todas as redes sociais virtuais, mesmo correndo o risco de nos parecermos com o protagonista do massacre na auto-estrada?
Como em quase tudo na vida, seguir o caminho do meio fá-lo-á sentir-se bem consigo próprio e com o mundo.
Milhares de anos de pensamento budista relembram-nos que a moderação é a chave do bem-estar. Aristóteles e Voltaire, noutro tempo, noutro lugar, advogaram exatamente os mesmos conceitos e práticas, promovendo a sua transposição para todos os atos da vida de cada indivíduo.
Tente pois que, imbuído deste espírito de ponderação e moderação, a utilização que dê a estas tão preciosas ferramentas do século XXI lhe possa trazer dividendos pessoais e sociais no círculo fechado da sua família e amigos, fazendo simultaneamente um esforço para manter uma estanquicidade inviolável desse círculo para o exterior... que lhe permita ser anónimo quando queira, brilhando apenas nos momentos que desejar... quando e onde desejar.
 
 
In Medio Stat Virtus
Aristóteles
 
 
Afonso Gaiolas

sexta-feira, setembro 21, 2012

Terra do Gelo

Parta!
Deixe que o vento o leve para um lugar melhor, longe da rotina, da insatisfação, dos problemas sobrevalorizados e dos sentimentos oprimidos.
Olhe para o mundo, veja como nele se insere, como todos se lhe encaixam e  como são especiais todos os momentos de todas as rotações de todas as translações deste planeta.
Tenha a sorte de ver o mundo melhor do que os outros.
A perspetiva (quão sortudo) de quem olha de cima sem estar por cima, devolva-a quando está em baixo sem nunca chegar a estar por baixo.
A perspetiva de um mundo global, de ações e reações, de bons momentos que se transformam em melhores momentos, que se transformam nos melhores momentos.
Voltar renascido, voltar como quem nunca partiu e na verdade sempre esteve sem estar, voltar pronto para mudar e tornar especial o que vida insiste em querer tornar rotineiro.
Voltar para querer ser o primeiro, o único e verdadeiro ser que pode mudar uma vida que pode mudar muitas vidas que pode mudar o mundo.
Deixar de lado a angústia de um pai que não descansa sem certeza de uma vida melhor, para uma certeza de brilhantismo no olhar de três melhores que tudo mais, na convicção de leveza e naturalidade no sucesso, no rumo melhor no meio da tormenta, em escolhas que tornarão melhor o melhor dos mundos possíveis.
...
Deixe de tomar as coisas por certas, mantenha-se desperto, sente-se de manhã na cama onde o seu corpo de noite se deitou e lembre-A de que o mundo só gira porque ela existe, e que não existe espaço nem tempo nem longe nem perto nem noite nem manhã se não puderem olhar para dentro um do outro e sentir a mesma chama que os aqueceu há vinte e dois anos atrás... nem nunca ter precisado ter contado o tempo... porque ele nunca chegou a passar por nós... Guida.
...
É uma existência de ouro, aquela que tira prazer numa conversa desconversada com idosas testemunhas de uma religião que as preenche, no empurrar de uma bicicleta até um cão preto para que um cão preto nos empurre a nós poço de felicidade dentro, em percentagens de perímetro terrestre cumprido sem dever de cumprir, em abraços, em beijos, em saltos e quedas, em carinhos e canções e músicas de embalar... em amor eterno e no olhar mais terno...
...
Vi um mundo que ainda não é mundo.
Vi pessoas a caminho de se tornarem pessoas.
Vi a vida com olhos de quem vive, mas que (perdoem-me) por vezes se esquece que ainda vive.
Vi oceanos de fogo que fogo já não são, líquidos em pedra que líquidos gostariam de tornar.
...
Torne-se lava por dentro e por fora, sem nunca chegar a embrutecer.
Parta as pedras em que se transformou, mergulhe no mais gelado dos mares, suba o mais alto dos penhascos, coma tudo aquilo que nunca ousou nem sonhou, sinta o perigo do veneno sabendo que não morrerá, sinta-se dono de si, dono do mundo, dono da sua vontade... e deixe que a sua vontade o torne melhor, o limpe das pedras, o purifique nas águas, o proteja no alto e o faça arriscar sem nunca perder, ousar sem nunca temer e vencer sem sequer duvidar.
Troque as manhãs pelas tardes, o céu pelo chão, um carro por um avião, troque o sol pela lua, não deixe nunca de chamar amor àquela que é só sua, troque o nome dos seus filhos Alexandre por João João por Pedro  Pedro por Alexandre, jamais deixe de os chamar aos três para que iguais sejam no seu e no coração pequenino que é só deles... troque tudo sem nada trocar...
... porque no final... ter-lhes-á, apenas e só, mostrado o significado da palavra... amar.

Afonso Gaiolas

quinta-feira, agosto 23, 2012

Plano rodoviário nacional

A suspensão das obras de requalificação do Itinerário Principal nº2 - IP2 no meu Baixo Alentejo deixou-me perplexo, adjetivo ao qual junto a indignação pelo desperdício de betão na megalomania de tal empreitada.
Não possuo um diploma neste ramo da engenharia que me possa permitir ter uma voz avalizada neste assunto, mas basta-me o bom-senso de quem assiste ao nascimento de devaneios faraónicos (feliz por não ter pretensões a semelhante título honorífico) para perceber que hoje, mais do que ontem, um país sem dinheiro tem que ser um país sem vícios. E nós bem que precisamos de nos livrar desta dependência insustentável do alcatrão!
As auto-estradas com muitos custos para todos, utilizadores ou meros espetadores, proliferaram nas últimas duas décadas no nosso país, impulsionadas por uma falsa sensação de necessidade aliada a modernidade saloia.
Não as critico. Contudo, a fórmula não podia estar mais afastada da realidade do país sobre-endividado em que vivemos.
A esmagadora maioria do território nacional não necessita de passagens desniveladas com um tráfego de uma ou duas dezenas de viaturas motorizadas por hora, ou de duas, três e mais faixas de rodagem em cada sentido, com uma taxa de utilização muitas das vezes ainda inferior.
A minha visão é mais comedida, porque sustentada apenas pelo erário público e pelas convicções ambientais que, aparentemente, deixaram de ser moda apregoar.
Qual é então a fórmula que aparenta ser mágica, e que de extraordinária nada tem?
A maioria das grandes soluções para os nossos problemas não se destacam pela sua complexidade, mas pela beleza das opções simples, que sempre estiveram à frente do nosso nariz, e que não conseguimos, por incompetência, processar e utilizar.
Na minha (re)visão do plano rodoviário nacional, todas as estradas nacionais (à exceção das de perímetro urbano) seriam constituídas por três faixas de rodagem onde, a cada dois quilómetros, a faixa central alternaria o seu sentido de uso, de modo a que em ambos os sentidos se pudessem efetuar ultrapassagens em segurança, evitando a invasão da faixa de sentido oposto para a execução de tais manobras.
Contíguo ao necessário espaço para imobilizações de emergência e passagem de veículos em marcha de urgência, protegido por um pequeno lancil delimitador teríamos uma via pedonal de dois sentidos, também alcatroada, de modo a permitir o tráfego de toda a multiplicidade de opções de transporte não motorizadas existentes no mercado.
As dimensões, seguindo as regras definidas pelas normas do traçado, código da estrada e de marcações rodoviárias, consistiriam em 1,50m de  largura de cada faixa de circulação pedonal/ciclovia, separados por marcações de 0,10m. 
O lancil separador/protetor teria uma largura de 0,20m e a altura suficiente para dissuadir qualquer tentativa automóvel de invasão de espaço alheio, quer para estacionamento, quer para manobras.
As faixas de rodagem automóvel teriam, cada uma, 3,75m de largura, separadas por marcações de 0,20m.
As bermas teriam 2,60m de largura, distância suficiente para albergar a paragem inopinada do mais largo dos veículos padronizados que circulam nas vias públicas.
O total asfaltado consistiria em 20 metros, bem menos que a largura média utilizada por uma auto-estrada, com a vantagem de albergar peões, ciclistas e veículos automóveis.
Em todas as restantes vias secundárias, que doravante designarei de regionais, este traçado sofreria uma pequena alteração.
Às estradas regionais seriam subtraídas as bermas e a terceira via, pelo que a sua largura total (com ciclovia incluída) seria aproximadamente metade da utilizada nas estradas nacionais.
Teríamos assim apenas duas designações para a rede viária nacional (estradas nacionais - ENxxx e estradas regionais ERxxx), simplificando todo o processo de identificação das mesmas. As auto-estradas já existentes permaneceriam inalteradas (Axx), sendo rejeitado qualquer novo projeto de construção adicional de vias deste tipo.
Quanto às velocidades máximas permitidas em cada uma das vias, manter-se-iam os 90Km/h para as estradas regionais, aumentar-se-ia a velocidade máxima nas estradas nacionais para 110Km/h e manter-se-iam também inalterados os 120Km/h de velocidade máxima nas auto-estradas.
As vantagens ambientais de incentivo ao uso de meios de transporte não poluentes gerado pela rede completa de ciclovias entretanto criada são tão sinistramente óbvias, que quase não necessitava de as enumerar:
1. O aumento do tráfego não motorizado contribuiria naturalmente para uma diminuição do volume de tráfego automóvel e para a diminuição da poluição nestas vias.
2. A sinistralidade seria reduzida drasticamente, pois quase todos os acidentes em ultrapassagens seriam eliminados.
3. A inexistência de discriminação nas diversas vias provocaria uma inversão dos ritmos migratórios humanos, em função da busca da mobilidade ideal, que neste momento apenas conduziu à desertificação galopante do interior português.
4. Num país com tanta tradição de peregrinações pedonais por itinerários rodoviários, poder-se-ia finalmente dar um passo de gigante na proteção dos peões.
5. Proporcionando os meios para a prática de alguns desportos (atletismo, patinagem, ciclismo...), inverteríamos a fatalidade perdedora olímpica que nos tem perseguido nas últimas edições.
6. Pela baixa da sinistralidade e aumento da condição atlética dos portugueses, poupar-se-iam muitos milhares de euros ao Ministério da Saúde e dores de cabeça aos gestores de listas de espera em hospitais.
7. Todos os portugueses viveriam mais desfogados financeiramente, por não pagarem qualquer taxa direta de utilização das vias, mas também por as parcerias público-privadas rodoviárias não provocarem um dano orçamental da ordem das dezenas de milhões de euros a cada década que passa.
E, para os que advogam ainda e sempre a extrema rapidez com que se circula nas auto-estradas, recordo-lhes a velha máxima acerca do seu único propósito, cada vez mais atual, de estas se constituirem como... 
... a forma mais rápida de chegar às filas!


Quem se livra das dívidas enriquece.

George Herbert

Um abraço,

Afonso Gaiolas

quarta-feira, julho 11, 2012

Quimera cosmológica

Universo, multiverso ou a mãe de todas as perguntas...
Friedrich Nietzsche apadrinhou uma ideia de permanente retorno, em que todos os eventos estariam condenados à eterna repetição, na linha dos defensores de uma sequência contínua de "big bangs" e "big crunches".
Eu, apesar de não desdenhar de teoria alguma (enquanto o facto não estiver cientificamente comprovado), sempre me senti compelido a defender uma ideia de finitamente pequeno. Concebo o infinito, mas algo me diz que este conceito não caberá na definição das qualidades e virtudes do nosso universo.
Passeio-me por estas areias movediças, as mais movediças de quantas haverá para sulcar, assumindo o risco da ridicularização científica, apenas porque estou convicto que o contributo para o conhecimento e descoberta da verdade vai muito além da mera experimentação, carecendo também, especialmente neste capítulo, de um esforço inumano de análise dos factos conhecidos e consequente interpretação, a partir de dentro da caixa, por fora da caixa... ou mesmo, se tal se mostrar necessário, destruindo-a integralmente! 
Devo confessar-vos que todo este artigo é despoletado por um sonho.
(Começamos mal... dizem-me... pois Bandarra só houve um!)
Sem querer assustar ninguém, passo a explicar.
O crédito que dou aos sonhos vem de há muito tempo atrás. De um tempo em que pensar em ser crescido acompanhava uma magia de projetos só comparável aos que imaginam a vida após a vitória no euromilhões.
Nesse tempo, de quando em vez, acordava deslumbrado com o que os Oneiros me tinham presenteado.
Não só adquiria consciência de estar a sonhar como, nesses sonhos, que via decorrer como aglomerados de cenas de um guião cinematográfico, se sucediam diálogos que transcendiam a minha melhor capacidade literária do momento. Consciente do sucedido, era contudo invariavelmente incapaz de os reproduzir, uma vez acordado. 
Estes acontecimentos levaram-me, ao longo dos anos, a acreditar que parte da revolução elétrica noturna que povoa a nossa massa cinzenta durante o período REM (Rapid Eye Movement) poderia ser utilizada como capacidade válida e útil de processamento de informação intelectual, para além do uso que o nosso sub-consciente pudesse fazer (que ignoramos) destes atos pseudo-reflexivos.
Como se de uma sedimentação se tratasse, em que muitas das peças do imenso e disperso puzzle do conhecimento se conectassem para nos definir um pouco mais como Homens.
Só assim se poderá explicar o decréscimo desta atividade à medida que envelhecemos, facto que comprovo na primeira pessoa, mas que tento a todo o custo contrariar.
Uma destas noites tive então um vislumbre daquilo que poderia sustentar a minha teoria do Universo, que me tem ocupado décadas a fio sem resultado aparente.
O Homem tem uma paixão pela individualidade e esforça-se por tentar demonstar isso mesmo todos os dias da sua existência, quer seja na exclusividade como espécie na tentativa de ascenção divina, quer na mesquinhez da escolha de um chapéu diferenciado para usar em Ascot.
Contudo, o Universo encarrega-se de o negar, com toda a aparente grandeza que o caracteriza. Tudo, desde a estrela mais maciça à poeira interestelar mais ínfima, está programado para a replicação, num esforço de continuidade, sobrevivência ou aumento de escala, fazendo parecer ridículo o ideal de "espécie escolhida", pelo simples facto de garantidamente existirem milhares de milhões de espécies semelhantes, acredite-se ou não na equação de Frank Drake.
A minha perceção é de que, pedindo emprestada uma analogia da fisíca nuclear para que todos possamos visualizar a ideia, o Universo se comportará como um eletrão de um qualquer átomo. Encaixado numa "nuvem eletrónica" de outros universos, finito apenas porque delimitado pelo espaço equivalente à prisão da sua "equivalente força nuclear fraca", movimentar-se-á em conjugação com os seus replicados pares, de um modo incompreensivelmente coordenado, fazendo parte de uma orquestração global brutalmente superior, num esforço de crescimento harmonioso... e com um propósito que talvez, neste estágio de desenvolvimento imberbe em que nos encontramos, nos faça bem não termos ainda vislumbrado, sob pena de termos de lidar com uma depressão irreversível de insignificância coletiva.
Se em termos comportamentais, a minha visão é física, em termos de crescimento e replicação recorro a uma alegoria biológica. 
Tal como para um observador no interior de um organismo será incompreensível a explicação do crescimento e replicação celular (especialmente se forem ignoradas as vias de comunicação - transferência de matéria - entre o organismo e o meio exterior), também para nós, por fazermos parte integrante  do sistema gerado, se torna difícil conceber a contínua geração de unidades de matéria e movimento que ocorre após a grande explosão do universo como agora o conhecemos. Acreditando estar no interior do acontecimento, consigo perceber a contínua expansão e até o aumento da sua velocidade, se estivermos a ser "alimentados" por trocas com um exterior que desconhecemos (virá a matéria escura ajudar a fechar este ciclo?).
Quanto à explosão, parece-me da mais elementar racionalidade compará-la aos esforços do nosso Grande Colisionador de Hadrões (LHC) em simular as condições iniciais do nosso universo e, tal como neste, chegar à conclusão de que a matéria, tal como hoje a conhecemos, ter resultado da colisão de dois ou mais universos a elevadíssima velocidade, casuisticamente ou não, gerando uma nova vida, ou parte dela, ou parte da parte dela.
Esta é a minha única maneira de conceber a existência da matéria, por oposição ao início do tempo de Planck e à singularidade da infinitude.
Bem sei que nada resolvo... que a nenhuma pergunta respondo... mas as convicções do reino da ignorância são isto mesmo, perceções de um estado material que, se à fé colassem o conceito... nos oefereceria mais três ou quatro religiões, garantia de entretenimento dos humanos nesta incerta viagem cósmica por uns maravilhosos seis dias... que ao sétimo Ele descansou. 


"O universo não tem notícia da nossa existência"

José Saramago

Um abraço,

Afonso Gaiolas

sexta-feira, julho 06, 2012

Academia de Líderes

Ando há demasiado tempo a adiar a construção deste edifício, que fervilha etereamente  no limbo que separa o meu consciente do seu sub e que, sempre que vem a lume mais um atropelo à dignidade que os cargos de liderança deveriam acarretar, parece querer auto elevar-se para um estatuto físico que não imagino se alguma vez poderá conseguir vir a ter.
Como colar cartazes, acrescentar as letras "dr" ao apelido, doar muito papel-moeda a rosas, laranjas, punhos, foices, martelos, setas e estrelas, e ser filho, sobrinho ou enteado do gene apropriado, não faz parte do meu ideal padronizado de seleção das individualidades que entendo serem as mais capazes de conduzir o meu país a mais 900 anos de gloriosa existência, sinto-me moralmente compelido a tentar verbalizar esta ideia que, estou convicto, resolveria a esmagadora maioria dos males de que a nossa sociedade de "elites" padece.
Comecemos pelo princípio (há qualquer coisa de mágico na aparente simplicidade deste pleonasmo)!
Comecemos pela expurgação dos radicalismos que impedem que, a todos os sistemas políticos ou ideológicos que não o vigente em cada era, se extraiam o que de melhor cada um pode oferecer, inibindo simultaneamente os defeitos que inerentemente todos acarretam.
Partindo desta ideia basilar, construirei aquilo que denominarei a Academia de Líderes, estrutura de ensino público de excelência e tutorada pelos melhores quadros académicos de que o nosso país dispusesse.
A sua missão seria a de formar os líderes de Portugal, a nível local, regional ou nacional, preenchendo os diversos cargos políticos existentes no nosso país.
A sua visão seria a de se tornar a referência académica, científica e moral de toda a sociedade, imune ao contágio da corrupção e do "tendencialismo" decisório da atual esfera partidária.
Os seus valores seriam os da isenção, altruísmo, intelectualidade, dedicação e... acima de tudo... amor a Portugal e aos Portugueses.
Vamos então responder à primeira e mais importante questão - quem?
Defendo convictamente que a melhor formação intelectual é adquirida no sistema monárquico, onde a cada príncipe é  fornecido o máximo de informação e conhecimento possível, que lhe permita no futuro guiar o seu país na direção que lhe pareça ser a mais correta. Contudo, todos concordaremos (à exceção de quem tiver sangue real) que a escolha não pode ser uma pseudo-lotaria genética, em que o jogo está viciado no mesmo conjunto de moléculas do ácido desoxirribonucleico. Para além da óbvia estupidez de tal anseio, a História encarregou-se de provar correta a frase de Luís de Camões que nos recorda que "um fraco Rei faz fraca a forte gente..."!
Ainda assim, é essencial e indispensável que a formação dos futuro líderes seja o mais aproximada deste ideal de especialização que só a monarquia neste momento consegue. E a concretização deste desiderato só será conseguida com recurso a uma academia orientada para o cumprimento deste ideal.
Poderiam candidatar-se a esta escola todos os jovens de Portugal que terminassem com sucesso o 12º ano de escolaridade num estabelecimento público de ensino, donde seria selecionado o grupo final de indivíduos que ingressariam na academia.
Os critérios de seleção teriam por base a avaliação académica (contínua, desde a escolaridade básica), as necessárias provas de aferição específicas nacionais e o traço psicológico de cada um (considerando a sua personalidade, sociabilidade e inteligência emocional), fatores que hierarquizassem o valor relativo de cada um e permitissem escolher os melhores entre os melhores.
Aceites na academia, tacitamente aceitariam a maior das honras mas também o maior dos sacrifícios. Se, por um lado, se poderiam orgulhar de no futuro serem parte do restrito grupo dos que são considerados artífices da História, por outro teriam que abdicar de muitos sentimentos individuais, em prol permanente do bem-estar coletivo.
A duração da formação neste estabelecimento de ensino seriam aproximadamente doze anos, tantos quantos os anos de escolaridade que os precederam, de modo a acomodar um conjunto vasto de conhecimentos na área da História, Economia e Finanças, Relações Internacionais, Psicologia, Linguística (nacional e internacional), Política, Segurança e Defesa, entre outras consideradas ajustadas à educação pretendida a um governante.
A partir dos trinta anos, portanto, teríamos pronta uma verdadeira elite de portugueses orientados para a governação e condução do país rumo a um futuro próspero.
Há um ano e meio atrás, escrevi um artigo sobre o interesse desinteressado e a virtude necessária a este conjunto de portugueses que agora identifico. Refiro nesse artigo a descentralização das decisões por referendo popular. Isto não exclui nem invalida a existência de um líder com uma visão aceite pela maioria, que conduza a nau mais pela esquerda, ou mais pela direita, evitando as vagas traiçoeiras e as garras do velho, mas sempre velhaco adamastor.
Finalizada a fase de instrução, doze anos de meditação, aprendizagem e construção de uma visão para o país, necessariamente diferente do seu colega de carteira ou de tertúlias, seria chegada a hora do escrutínio popular, e aí sim, das derivações políticas que a própria nação escolheria, em função do projeto individual de cada um dos candidatos.
Todos os restantes não escolhidos para os cargos maiores de governação candidatar-se-iam, sucessivamente, a todos os restantes cargos políticos remanescentes e que fazem falta à nação portuguesa, ocupando assim as também nobres funções de embaixador, cônsul, presidente de câmara municipal, vereador de um qualquer município, entre muitas outras de maior ou menor relevância mediática.
De modo semelhante, todos os lugares na assembleia seriam ocupados por estes ilustres cidadãos, aos quais seria eliminado o conceito de oposição, criando as condições para que pudesse emergir um espírito de entreajuda, popularmente designado como "uns com os outros", ao invés de "uns contra os outros", pois o objetivo último deixaria de ser a ocupação efémera do pedestal, mas o avanço social, cultural e económico de toda a comunidade.
A substituição nos cargos ocupados far-se-ia por vontade dos próprios ou por incumprimento dos objetivos traçados para a governação (fossem eles o crescimento económico, o índice de desenvolvimento humano, ou quaisquer outros), de acordo com as metas temporais maioritariamente acordadas.
Assim, não tenho dúvidas que voltaríamos a honrar a nossa derivação do vocábulo politiká, que tão desviada tem andado, nas últimas décadas, do ideal concebido sob as colunas de uma acrópole que passadas tantas tempestades económicas ainda permanece de pé.


"A política é talvez a única profissão para a qual se pensa não ser necessária qualquer preparação."

                                                                                                                      Robert-Louis Stevenson

Um abraço,

Afonso Gaiolas

quinta-feira, maio 24, 2012

2666 espinhos na fronteira sul da planta dos pés

Não tenho a ilusão do igualitarismo mundial.
Tão-pouco sou ingénuo ao ponto de pensar que o altruismo alguma vez comandará a política externa mundial.
Mantenho, no entanto, a esperança de um dia olhar para as Nações Unidas e acreditar que existe uma voz una e independente a gerir os interesses comuns de toda a Humanidade.
Até lá, sinto-me na obrigação de largar o conforto da maioria silenciosa e mostrar o quão incongruentes podem ser as atitudes de quem acalenta a esperança de conseguir moldar e moralizar o mundo à sua imagem e semelhança.
Em Setembro de 2001, em resposta a um hediondo ataque terrorista que vitimou 2996 pessoas, os E.U.A., liderando uma ampla coligação de Estados, iniciaram o que ficou denominado como a "Guerra ao Terrorismo".
Afeganistão, Filipinas, Somália, toda a região do Saara/Sahel, Iraque, Paquistão, Iémen e o enclave de Caxemira passaram a ser palco de acesa luta contra o terrorismo, bem como contra o tráfico de armas e de droga, atividades criminosas que ascenderam a baluartes representativos do que seria necessário erradicar para que despontasse uma nova era civilizacional.
Concordo integralmente que, eliminando estes três exemplos de "selvajaria humana", todos viveríamos melhor, mais seguros e com mais hipóteses de vingar como espécie.
Contudo, não é moralmente admissível que, uma vez assumida ingerência mundial indiscriminada, se force uma pala em cada olho, ignorando toda a lateralidade... apesar de esta praticamente nos bater à porta.
Faça por momentos o exercício de imaginar o pior destino turístico que o sub-consciente lhe ditar... 
Decerto nunca equacionou umas férias de sonho em Cabul, Kandahar, Herat ou Ciudad Juarez... pois não?
Por esta altura, o leitor questiona-se... que raio de agrupamento de cidades... e o que é que a quarta tem que ver com o grupo anterior das três maiores cidades do Afeganistão?
Para os mais distraídos, Ciudad Juarez situa-se no México, na região de Chihuahua, sendo uma das maiores cidades fronteiriças com os E.U.A..
Podia ser mundialmente conhecida pela indústria de "maquiladoras", conceito castelhano que traduz a atividade comercial e fabril de importação de materiais (livre de tarifas e impostos) para transformação, processamento ou montagem, e posterior exportação do produto final.
No entanto, ao invés da prosperidade económica e social expectável, a cidade assiste impotente a uma espiral descontrolada de terrorismo, tráfico de armas e de droga. Exatamente o mesmo trio de atividades anteriormente identificadas como alvo a abater pelos paladinos da liberdade.
Dir-me-ão... vamos então comparar valores... e isto certamente envergonhará quem se quer ombrear com um cenário de "guerra".
Vamos então a isso!
Desde 2001 (começo das hostilidades) até hoje, no teatro do Afeganistão, morreram entre 20000 e 49600 pessoas, consoante a fonte consultada. Concentremo-nos apenas no pior dos cenários. É conveniente realçar que estamos a falar de operações ofensivas de guerra e seus derivados. Temos pois que, em onze anos, perderam a vida aproximadamente um pouco menos de 50000 pessoas.
E se lhe disser que, no México, entre 2007 e 2011, ou seja, em menos de metade do intervalo temporal utilizado para analisar o Afeganistão, perderam a vida (em consequência de terrorismo e tráfico de armas / droga) 47515 pessoas. 
Que só em Ciudad Juarez, todos os anos, perdem a vida pelas mesmas razões quase tantas pessoas quantos todos os soldados da coligação no Afeganistão pereceram desde 2001 até hoje (3007 em Maio de 2012).
Que só no ano de 2010, nesta cidade, perderam a vida 2738 pessoas em consequência destas atividades ilícitas e que tudo permanece sob um manto de impunidade que ninguém parece conseguir contrariar. Se não lhe parece demasiado atroz, imagine que, proporcionalmente, Portugal teria que se debater com mais de 5000 homícidios por ano, só na região da grande Lisboa (quando na realidade estes raramente ultrapassam a dezena e meia).
Falta ainda deitar por terra o conceito de que terrorismo só conta se for segundo a definição pela qual fomos "belicisticamente" formatados.
Entremos então na discussão académica verbal.
Define-se terrorismo pelo uso da violência, física ou psicológica, em ataques localizados a elementos ou instalações de um governo ou da população governada, de modo a incutir medo e terror, e assim obter efeitos psicológicos que ultrapassem largamente o círculo das vítimas, estendendo-se ao resto da população do território.
Se uma Nação, no espaço de dez anos perder mais de 4000 mulheres e meninas, fruto de estupro, violência e assassinato (não necessariamente por esta ordem) e se debater com mais de 400 desaparecidas, cuja esperança familiar reside apenas em encontrar um corpo que se possa chorar, num flagelo de proporções tais que gerou uma nova palavra - feminicídio... será que este ato encaixa na definição de terrorismo?
Se os corpos de dezenas de assassinados forem expostos, decapitados, pendurados em locais públicos movimentados, ou se assassinarem seletivamente os membros da autoridade, de modo a gerar o pânico, descredibilizar o governo instituído e desequilibrar a balança de poder para o lado dos criminosos inssurretos... será que estes atos encaixam na definição de terrorismo?
Não tenho dúvidas que os líderes das redes de tráfico humano, de armas e de droga do México fazem uso de violência física e psicológica, em ataques localizados a elementos de governação (forças de segurança) e à população governada (quase 50000 mortos em 5 anos), de modo a incutir medo e terror (expondo publicamente os corpos e selecionando as vítimas), e assim obtendo efeitos psicológicos que se estendam ao resto da população (descridibilizando as autoridade, estendendo a sua teia de poder e consequentemente exercendo a sua atividade criminosa impunemente).
Se isto não encaixa na definição de terrorismo... é melhor que se lhe efetue uma revisão!
Ora bem, voltemos ao vizinho que corre mundo e meio para expurgar a humanidade de todos os males.
Seria de esperar uma atenção especial a quem consigo faz fronteira. 
Seria de esperar uma ação concertada com as autoridades locais para erradicar, gradual mas consistentemente esta brutalidade a que o povo mexicano está sujeito.
Não seria de esperar a construção de um muro de contenção, na esperança de que a ocultação fizesse desaparecer o problema.
Não seria de esperar que se imitasse o tristemente exemplo passado de Berlim, ou o presente exemplo de Israel, de Marrocos no Saara Ocidental ou da Coreia, e se murassem 1030 quilómetros de fronteira, inclusivé mar adentro, de modo a resguardar o bom povo do norte da doença, negando simultaneamente qualquer possibilidade de cura aos pobres diabos do sul.
Falta de visão... para não dizer inteligência... pois as tão badaladas drogas recreativas que continuam e continuarão a atravessar a fronteira, com ou sem muro, contribuem cada vez mais para a degradação física e psicológica de grande parte da juventude emergente que terá nas mãos a chave do progresso ou retrocesso civilizacional das estrelas e das riscas.
Talvez tenhamos todos, ao longo das últimas décadas, criado demasiadas expetativas...
Deveria ter suspeitado que um país que tem por companhia o Afeganistão, a China, a República Democrática do Congo, a Coreia do Norte,o Iémen, o Irão, o Iraque, a Líbia, o Paquistão, a Serra Leoa, a Síria, o Sudão, o Uganda, o Vietname, entre outras lendas mundiais de renome no que diz respeito à aplicação da pena de morte como castigo válido (só suplantado em quantidade de execuções pela China), teria alguma dificuldades no capítulo da capacidade de  julgamento imparcial.
Deveria ter suspeitado que um país que prevê o enforcamento, a eletrocussão, o fuzilamento e... surpresa das surpresas... a câmara de gás como métodos válidos de execução da pena de morte, dificilmente estaria num estágio civilizacional que lhe permitisse ajudar outros sem esperar receber nada em troca.
Portugal, por temporariamente lhe terem oferecido a ilusão igualitária de privar com os membros do clube dos que podem fazer explodir engenhos com mais barulho do que os outros (membro não permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas) e por felizmente já ter ascendido a um outro estádio evolutivo, tem a obrigação de tentar remover as malditas palas que ainda afetam a visão daqueles que, apesar de terem a máquina que faz o dinheiro aceite em todo o mundo, não conseguiram ainda comprar nas praças financeiras internacionais, nem bom senso, nem de todos, o bem mais escasso e precioso... a filantropia!
Mesmo que a razão sejam apenas os mais de seiscentos anos que levamos de avanço... sabe bem sentir que o nosso país é tão melhor que os que se apregoam melhores.

Um abraço,

Afonso Gaiolas

segunda-feira, maio 21, 2012

A dádiva de Prometeu

Antes do Fogo.
Depois do Fogo.
Muito pouca justiça se tem atribuído a tão importante peça da engrenagem evolucionista humana, responsável, em grande parte, pela prosperidade, proliferação e elevação da raça ao estatuto de dominante planetário.
O fascínio da crepitação, da luz hipnotizante, do calor reconfortante numa noite fria, da iluminação que afasta os predadores... os vivos e os que povoam a imaginação na escuridão, faz com que todos, secretamente, tenhamos uma réstia de monomania incendiária... mas que, a bem da sanidade coletiva, continuamente recalcamos no mais profundo íntimo do nosso ser.
Se o reconhecimento de uma fraqueza nos torna conscientes de um problema potencial, ignorarmos as suas causas torna-nos imbecis, porque incapazes de tornear uma ameaça, que neste caso não se constitui local ou regional, mas sim de proporções nacionais.
A versão romanceada da relação humana com o fogo, que acima descrevi, pouco ou nada tem que ver com a realidade portuguesa do século XXI, no que concerne aos incêndios florestais que deflagram, ano após ano no nosso território, qual fatalidade com a qual todos nos teremos que habituar a conviver no período estival (e talvez fora dele... se necessário for para equilibrar balancetes).
A versão negra desta história assume mesmo contornos dantescos, se a analisarmos à luz da angústia e sofrimento causados à população diretamente afetada pela fúria descontrolada do mais quente dos quatro elementos, não raras vezes sendo despojada do seu sustento e modo de vida, quando não da habitação única e permanente e de todos os bens pessoais nela conservados.
Será que é inevitável?
A avaliar pelo discurso politizado que incompreensivelmente apelida o Verão como "época de fogos", tudo apontaria para este cenário.
Estou convicto, no entanto, que as mesmas pessoas que desta forma fatalista discursam e apregoam medidas avulsas de "combate" ao fogo e não ao flagelo da ignição (criminosa ou negligente), nunca tentaram iniciar uma fogueira sem um método tecnologicamente avançado (onde se incluam fósforos, isqueiros, entre outros truques de prestidigitador fajuto).
Diz-se que o risco é enorme, porque existe muita matéria combustiva e muito calor. Pois bem... então toda a região alentejana seria uma pira trimestral, enquanto houvesse pasto seco e quarenta graus Celsius nos termómetros, à sombra preguiçosamente estendidos.
Mas eis que não... não só o Alentejo não se constitui uma mega-pira no estio, como ainda consegue olhar para norte do rio Mondego e observar, qual espetador da volta a "Portugal" em bicicleta, milhares de hectares de floresta nacional a serem trucidados, dia após dia, não por uma, mas por MILHARES de deflagrações incendiárias.
Abandone o ecrã do seu computador e tente, à luz do mais potente raio de sol que fustigue o nosso território, provocar uma chama com um qualquer método primitivo.
Sem necessidade de seguir a ordem que agora estabeleço, use pedras, paus, concentração solar com pedaços de vidro ou plástico aleatoriamente escolhidos, entre outras artimanhas que se lembre quando a insolação começar a fazer os seus efeitos.
No final, olhará para a palavra inevitabilidade com outros olhos. Sim, porque as descargas elétricas sem pluviosidade associada (vulgo trovoadas secas), não constituem amostra credível - 1 a 5% na maior parte dos estudos nacionais e internacionais - que desculpabilize a intencionalidade ou a negligência.
Parece-lhe razoável que tenhamos tido mais de 300 incêndios por dia, todos os dias do mês de agosto de 2010?
Que tenhamos tido, num só dia do mês de março deste ano, as mesmas três centenas de deflagrações não controladas?
Ou que, jogando com os números, tivéssemos terminado o ano de 2009 com o quase redondo número de 29700 incêndios, o que perfaz uma média aproximada de oitenta por dia?
A mim parece-me ainda menos razoável que o quarto poder se subjugue ao poder promocional de uma boa labareda que ocupe toda a caixa mágica, ao invés de açoitar verbalmente os incendiários, fortuitos ou intencionais, morais ou materiais, social e publicamente condenando o ato.
No fundo, condenando a causa sem exaltar o efeito.
E porque a maioria é e será sempre silenciosa (e, já agora, bem comportada), caberá à Autoridade Nacional de Proteção Civil transformar as sucessivas campanhas inócuas de prevenção de fogos florestais, em algo que a minoria que estraga realmente perceba.
Neste complexo processo, em que todas as ações estão interligadas, também os poderes legislativo e judicial partilham uma quota de responsabilidade e ação.
Na minha visão preventiva e regeneradora, dever-se-ia alterar a legislação punitiva aos incendiários, transformando as penas de prisão em penas de reflorestação. Toda a área ardida teria que ser reflorestada pelo responsável material e/ou moral pelo ato criminoso, tarefa realizada em regime compulsivo, a tempo inteiro, e pela qual receberia o salário mínimo nacional. Ao total desta remuneração, seriam cativados 45% para suportar a aquisição das novas espécies arborícolas, bem como pelo usufruto da maquinaria necessária à execução da tarefa, enquanto outros 45% seriam utilizados para cobrir as indemnizações compensatórias às populações afetadas pela destruição de património pelo fogo.
No final, 10% seriam entregues efetivamente ao indivíduo pelo trabalho desempenhado, mostrando-lhe que a Nação reconhece o trabalho honesto... sendo magnânime na reação, mas irredutível na busca de cidadãos melhores e mais aptos para viver em sociedade.
A melhor e mais eficaz campanha de sensibilização preventiva contra os incêndios florestais seria, no seguimento da execução destas "penas", que os meios de comunicação social devotassem alguma da sua atenção a demonstrar as consequências reais destes atos, fossem eles irrefletidos, negligentes ou criminosamente intencionais.
Dir-me-ão que o pobre coitado incendiário é só a ponta visível de um icebergue de interesses económicos que gira à volta da indústria do fogo.
Pois... mas se não for de todo monetariamente compensatório o risco (dois ou três anos ininterruptos a reflorestar as encostas da serra da Estrela versus 30 dinheiros para trair todo um povo e queimar-lhe um dos seus bens mais preciosos - a terra), for moralmente condenável e socialmente inaceitável tanto o atentado moral como o atentado material incendiário contra pessoas e bens, quebrar-se-á na minha opinião, o triângulo do fogo florestal ou agrícola, na única variável que o ser humano pode controlar (a energia de ativação - calor).
Só assim podemos evitar que o monstro se auto-alimente e se torne, a cada ano que passa, maior e mais voraz a queimar papel-moeda na escala dos milhões do erário público... com as cenas dos próximos capítulos a acontecer já na próxima época de fogos que rapidamente se avizinha.

Um dos maiores travões aos delitos não é a crueldade das penas, mas a sua infalibilidade (...) 
A certeza de um castigo, mesmo moderado, causará sempre impressão 
mais intensa que o temor de outro mais severo, aliado à esperança de impunidade.
                                                                                               
                                                                                                                                        Cesare Beccaria

Um abraço,

Afonso Gaiolas

terça-feira, março 06, 2012

"Individual Common Core Skills"

De médico e de louco... todos temos um pouco!
Curioso este adágio, que subliminarmente protege a sacra figura "doutoral", pela estupidificação de toda a massa sobrante que ouse desejar conhecer o que eternamente lhe deve ser vedado.
E se nas entrelinhas do provérbio residisse a fórmula para eliminar as horas, dias, meses de espera para uma consulta médica no nosso sistema nacional de saúde?
Se fosse esta a maneira de evitar algumas centenas de mortes, invalidezes ou ferimentos por negligência desconhecedora?
E se, tal como se estabelece como essencial o domínio da linguagem para a sã convivência em sociedade, identificássemos uma série de competências que, julgadas essenciais à população portuguesa, fossem transmitidas em ações de formação, etariamente focalizadas e espaçadas temporalmente, de modo a tornar a sociedade mais evoluída e capaz como um todo.
Tenho sido acusado (especialmente entre alguns dos mais ilustres clientes da Cornélia) de projetar um ideal demasiado pradonizado e padronizador para tudo o que nos rodeia.
Permitam-me discordar redondamente do espírito, embora não do conteúdo parcial da afirmação.
O meu objetivo é que se simplifique a consecução das necessidades higiénicas pessoais, sim, padronizando-as o mais possível, de modo a que as necessidades motivacionais possam adquirir um grau ilimitado de criatividade e individualismo.
Herzberg foi inteligente na catalogação, mas não previu uma sociedade profundamente castrada pela luta diária que garanta a primeira das necessidades...e onde não existe espaço para o surgimento da segunda.
Mas afinal, de que trata o chavão "individual common core skills"?
Guardei o original anglo-saxónico, por ser esta a origem militar do conceito.
Identifica uma série de aptidões que cada combatente deve possuir, comuns a toda uma força, que  transmitirão a esta um valor acrescentado global  muito superior à soma de cada uma das suas partes constituintes.
Feito o necessário ajustamento temático, este conceito serve na perfeição para tornar muito mais eficaz todo o nosso paradigma social.
Comecemos pelo início do artigo.
Vou-vos contar uma pequena história...
Era uma vez um senhor que se sentou, num veículo em movimento, numa zona de muito elevada concentração de monóxido de carbono. Esse senhor (inserido num grupo profissionalmente heterógeneo de pessoas), em consequência deste irrefletido ato, sofreu um envenenamento por monóxido de carbono, tendo sido miraculosamente salvo por um "senhor doutor" que felizmente estava presente. 
E quais os atos médicos realizados neste tão heróico procedimento?
Não espero que seja necessário o domínio, nem tão pouco cientificamente se percebam os mecanismos de combinação da hemoglobina com o oxigénio, para que alguém se sinta habilitado a executar uma série de ações básicas que resolvam este cenário típico de hipoxia histotóxica.
Mesmo que o seu curso seja o das velhas oportunidades, qualquer ser humano médio deve ser capaz de remover a causa do distúrbio ou, em alternativa, promover o afastamento do indivíduo dessa mesma causa. Em seguida, assegurar ao sinistrado a melhor afluência possível, quer de oxigénio, quer sanguínea, ao nosso mais valioso orgão.
Traduzido por miúdos... levar a vítima para um local seguro, deitá-la, libertá-la de roupas que limitem os movimentos cardíacos ou respiratórios e elevar-lhe os membros inferiores. A chamada de ajuda especializada presume-se já ter ocorrido por quaisquer outras pessoas intervenientes neste cenário.
Seria necessário um estetoscópio ao pescoço...?
Talvez como amuleto para dar sorte.
E, num universo de conhecimento melhorado de fisiologia humana, quantas idas desnecessárias ao hospital se evitariam?
Quantas vidas seriam poupadas, não pela existência permanente de ajuda diferenciada, mas pela utilização imediata dos conhecimentos básicos de qualquer indivíduo indiferenciado. Tanto na tomada de decisões, como no enveredamento pelo caminho correto.
Uma só tetraplegia evitada por um arrastamento  inconsciente executado por um voluntário inculto... uma só queimadura facial evitada pela utilização de água para apagar uma chama resultante do aquecimento excessivo de óleo culinário... um só afogamento infantil evitado por inaptidão na execução da reanimação cardio-respiratória... uma só vida salva dos escombros de uma qualquer catástrofe natural, em resultado da tomada de ações de proteção apropriadas para cada caso... e já teria valido a pena todo o necessário esforço educacional!
Este é, sem sombra de dúvidas, uma tarefa pedagógica que deve ser entregue à Autoridade Nacional de Proteção Civil.
A minha perceção é a de que se deve criar uma divisão de instrução que regionalmente coordene as ações de formação adequadas a cada faixa etária, de modo a que as tão famigeradas bolsas de horas de formação se traduzam em algo realmente útil à população, e não mais um desperdício de tempo empresarial.
Deixo a operacionalização dos calendários de atualização e refrescamento aos entendidos na matéria, na convicção de que a periodicidade anual não seria de modo nenhum excessiva.
Estou certo que, ainda que mais padronizados, todos nos sentiríamos progressivamente mais seguros e auto-confiantes.
"Médicos", porque definitivamente mais capazes... guardando cada vez mais tempo para esvoaçar sobre um qualquer ninho de cucos que faça  mover a humanidade no sentido evolucional por todos desejado!

"Saber para prever, a fim de poder."
Auguste Comte

Um abraço,

Afonso Gaiolas