segunda-feira, novembro 28, 2011

Alimente esta ideia

Desconheço se a frase escolhida para o título deste artigo estará protegida por direitos de autor. Decidi usá-la por analogia à campanha do banco alimentar que decorreu este fim-de-semana, um pouco por todo o nosso país.
Senti desde sempre que estas soluções de recurso (dádivas sazonais) soam a costuras mal efetuadas numa manta que deveria ser constituída por outro tipo de fibras, que não fossem tão atreitas à eclosão de fendas. Em suma, que deveria ser o Estado e não o indivíduo a assumir a função social de erradicação da pobreza, ou minoração dos seus efeitos.
Bombardeiam-nos hoje com as famosas gorduras do Estado, que se devem repensar todas as suas funções (leia-se eliminação da maioria delas), como se a supressão fosse a solução para um problema de má execução e inexistente controlo!
Falemos então de gorduras e calorias, para salvaguardar a minha consciência de acusações de falta de atualidade temática.
Vamos fazer um ligeiro exercício mental de alegoria familiar, de modo a apresentar a minha visão sobre o assunto que hoje vos trago.
No seio familiar (aquele conceito que devia ser a pedra basilar de onde toda a sociedade deriva), é consensual a organização de cada refeição segundo um padrão comunitário, em que todos beneficiam do trabalho executado uma só vez. 
E porque é que, ao longo dos tempos, foi este o padrão seguido e não uma versão individualista de "cada um prepara (ou caça) o seu"?
Ou melhor, porque é que não se tornou hábito que o cabeça de casal distribuisse uma quantia monetária a cada elemento do agregado familiar, para que este pudesse ir adquirir os seus alimentos onde bem entendesse?
Simplesmente porque, subjacente à primeira interrogação, existe uma margem enorme de ineficiência e desperdício, enquanto que a segunda se apresenta, financeiramente, absolutamente ruinosa.
A família é um organismo muito inteligente!
Pena é que as pessoas que constituem estas famílias, que tão boa conta do recado dão entre portas, não o consigam fazer quando se organiza uma macro-estrutura, neste caso o Estado.
Pense em dois milhões de euros. Parece-lhe muito ou pouco?
Já sei... depende da perspectiva.
E se eu lhe disser que é o valor aproximadamente pago, diariamente, pelo Estado, por uma refeição para os seus funcionários (ligeiramente acima dos quinhentos mil, no início deste ano).
O famoso subsídio de refeição, um subsídio diário que tem a natureza de benefício social a conceder pela entidade empregadora pública como comparticipação das despesas resultantes de uma refeição tomada fora da residência habitual, nos dias de prestação efetiva de trabalho (no valor de 4,27€ em 2011), representa a execução do plano rejeitado na segunda interrogação à economia familiar, que acabei de caracterizar de ruinoso!
Mas para além de ruinoso, é ainda ineficiente, porque centuplica o esforço para que se atinja um único objectivo... a saciedade destes seres humanos.
Qual então a verdadeira solução para o problema?
Na minha opinião, na criação de salas de refeições comunitárias, primariamente criadas para os trabalhores da administração pública, mas abertas a toda a população, como passarei a explicar.
Começo pelo grande problema que esta solução coloca... a perda de receitas do setor da restauração. Necessariamente, precisaríamos de muito menos... mas é disto mesmo que estamos a falar, de aumento de eficiência, de atingir os objetivos utilizando menos recursos. Passariam a nichos de mercado, oferecendo alternativas mais exclusivas e exóticas (não necessariamente chinesas) às refeições tomadas fora de casa.
A grande mais valia empresarial deste projeto constituir-se-ia na (re)vitalização do setor primário de cada região deste país depauperado deste absoluto valor estratégico nacional. 
Esta solução passaria pela aquisição preferencial dos produtos alimentares no mercado local, fator potenciador do empreendedorismo individual, uma vez que o escoamento dos géneros alimentícios estaria desde logo parcialmente garantido, a quem por esta área de negócio decidisse enveredar. Portugal, terra de pequenas e médias empresas, poderia assim ver florescer novos produtores de carne, pão, ovos, legumes, lacticínios, peixe, entre outros bens essenciais, readquirindo uma autonomia confortável para os tempos de agrura global que surgirão quando os "sapiens sapiens" superarem os dez mil milhões nesta esfera que não aumenta.
Como já decerto depreenderam desta dissertação, desapareceria o valor do subsídio de refeição, usando o Estado o dinheiro para diretamente fornecer a refeição a todos os seus trabalhadores. Só neste pequeno processo poupar-se-ia pelo menos, diariamente, metade do dinheiro atualmente dispendido. Neste caso, um milhão de euros por dia que certamente seriam suficientes para saciar também todos os indigentes abrangidos pelas múltiplas ações do banco alimentar e seus derivados, e que diariamente dependem destes esforços "individuais" para evitarem uma humilhante (para todos nós) subnutrição.
Quanto à restante população não indigente, teria também acesso a este serviço, a preços de margem de lucro residual, que apenas cobrisse a sustentação do sistema. Falo neste caso da remuneração dos trabalhadores afetos a esta atividade, bem como à manutenção das infraestruturas de apoio.
Aos óbvios ganhos de produtividade somar-se-iam os ganhos comunitários, pela socialização e aproximação de todos os indivíduos da comunidade, bem como da possibilidade de coexistência de fóruns não oficiais de discussão pública dos assuntos locais, induzindo as pessoas à prática de uma cidadania que se pretende ativa.
Para além de todas as vantagens enumeradas, da mais valia nutricional de condicionar as pessoas a uma alimentação saudável (por se terem que sujeitar a uma dieta equilibrada, ao invés da dieta do impulso caprichoso), bem como da moralização do Estado na sua função social, solucionar-se-ia ainda, do ponto de vista de quem cozinha, um dos maiores dilemas dos dias de hoje... 
... decidir aquilo que será o almoço de amanhã!!

Bom apetite,

Afonso Gaiolas


terça-feira, novembro 01, 2011

O estado do Conselho

No dia 25 de Outubro de 2011, o senhor Presidente da República Portuguesa convocou mais uma vez o Conselho de Estado para que o aconselhasse no seu processo decisório dos destinos da Nação.
Concordo com esta adordagem descentralizada e plural de auscultação de opiniões que antecede o processo de tomada de decisões, especialmente se tão importantes como as que a figura maior do Estado Português necessita de tomar ao longo do seu mandato.
Estranho, no entanto, a composição do dito Conselho.
Estranho que a alínea d) do artigo 145º da Constituição da República Portuguesa estabeleça ser competência do Conselho de Estado a pronunciação sobre a declaração de guerra ou a feitura da paz... e que o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas nele não tenha assento permanente.
Em contrapartida, que o poder legislativo esteja representado numa proporção duas vezes superior ao poder executivo e três vezes superior ao poder judicial.
Não questiono a mais-valia intelectual de cada um dos membros atuais do Conselho (por inerência, designados ou eleitos), mas poucos terão os conhecimentos técnicos e a visão estratégica, do ponto de vista militar, que a décima primeira figura na hierarquia do Estado Português detém, forjada ao longo de mais de três décadas de serviço militar incondicional à Nação Portuguesa.
Poder-se-ão validar alguns dos argumentos que sustentam a especificidade da Casa Militar da Presidência da República, como órgão de apoio ao Presidente no exercício da sua função de Comandante Supremo das Forças Armadas, e nesse fórum ser mais adequada a discussão técnica do assunto que anteriormente referi, mas será absolutamente essencial que a visão militar seja vertida no processo de decisão (necessariamente político) de declaração de guerra ou feitura da paz com outras Nações ou Estados, que terá lugar nas reuniões do Conselho de Estado.
Este assunto, tal como a declaração de Estado de Sítio, que naturalmente necessitará de aconselhamento militar (uma vez que potencialmente pode estar envolvida uma agressão efetiva ou iminente por parte de uma potência estrangeira), são demasiado importantes para o destino de um país, para que seja ignorada neste Conselho, a opinião do maior estratega militar no activo. Tanto mais que se estabelecerá a subordinação das autoridades civis às autoridades militares, ou à sua substituição por estas, na eventualidade de uma ocorrência desta natureza.
A isenção e a imparcialidade são valores terrivelmente difíceis de alcançar por um ser humano. Faz parte da nossa natureza imperfeita, a incapacidade de sermos absolutamente imparciais nas decisões que tomamos ao longo da nossa vida. Contudo, todos devemos fazer um esforço contínuo de aproximação progressiva a este patamar de justiça relativa, especialmente se detivermos poder e responsabilidade sobre outros seres humanos, para que as variáveis que controlamos possam demonstrar que o interesse pessoal não interferiu em decisões que afetam a comunidade que de nós depende. 

Um abraço,

Afonso Gaiolas