domingo, setembro 30, 2012

Anonimamente popular

Quem gostava de ser famoso, erga o braço direito no ar!
A avaliar por este princípio de década frenético, a esmagadora maioria poria não um, mas os dois membros superiores em riste.
O talentoso jovem Mark Zuckerberg destapou, há uns anos atrás, a caixa de pandora dos quinze minutos de fama individuais, democratizando-os a todos os possuidores de uma ligação à rede computacional global.
Parece ser maravilhoso, todos poderem viver vidas clonadas de revistas cor-de-rosa e aspirarem a serem reconhecidos na rua em cada passo que deem.
Será mesmo assim tão idílico?
Qual é a grande vantagem em conhecermos e sermos conhecidos, em reconhecermos e sermos reconhecidos?
Há um sentimento de pertença que é inegável quando somos acarinhados. Há um sentimento de afinidade quando não nos ignoram. Sentir que fazemos parte de um grupo, de uma comunidade, tudo isso nos protege e nos guarda.
Mas... e quando nos guardam sem o querermos?
Imagina-se ser perseguido por fotógrafos quando sai para ir despejar o lixo de sua casa?
Ou a ter gente a espiar as suas janelas, em busca de algo que valha a pena ser rebuscadamente espalhado por desconhecidos seus?
Nascemos, crescemos e morreremos sempre com o síndroma da galinha da vizinha que parecerá ser sempre melhor que a minha.
Se nascemos anónimos, ansiamos pelo dia em que seremos famosos.
Perguntem a alguém muito famoso, qual o seu maior desejo? Se a resposta não for passar despercebido no meio da multidão... ou não estará a ser honesto ou, muito provavelmente, do seu apelido constarão o substantivo Castelo e o adjetivo Branco.
É então benéfica a exposição pessoal resultante do uso desvairado das aplicações Facebook, Twitter, entre outras?
Depende.
Depende daquele artigo de mercearia que não pode ser adquirido ao quilograma... o bom senso.
A sensatez diz-nos a quase todos que a exposição física nos pode marcar negativamente. Porém, existe sempre alguém que se ilude a pensar que se expuser 95% do seu corpo como veio originalmente a este mundo, as amizades se multiplicarão da noite para o dia.
Este mesmo tipo de iludidos julga ser a oitava maravilha do mundo social, o facto de ser assediado na rua por caçadores de autógrafos, de imagens ou de vídeos seus.
Confunde-se o facto de devermos agir, em todas as circunstâncias, como se nos contemplassem... com a infeliz realidade da substituição desta última palavra pelo soturno vocábulo espiassem. E, acreditem, não quererão nunca que isso vos aconteça.
Muitos psicólogos e psiquiatras de renome nacional e internacional defendem que, atualmente, não possuir um perfil no facebook, pode-se constituir como sintoma de uma patologia maníaco-depressiva, psicopata ou de extrema exclusão social.
Quer isto dizer que devemos expor-nos indiscriminadamente na rede?
Ou que, pelo contrário, devemos votarmo-nos ao ostracismo rebelde de quem renega todas as redes sociais virtuais, mesmo correndo o risco de nos parecermos com o protagonista do massacre na auto-estrada?
Como em quase tudo na vida, seguir o caminho do meio fá-lo-á sentir-se bem consigo próprio e com o mundo.
Milhares de anos de pensamento budista relembram-nos que a moderação é a chave do bem-estar. Aristóteles e Voltaire, noutro tempo, noutro lugar, advogaram exatamente os mesmos conceitos e práticas, promovendo a sua transposição para todos os atos da vida de cada indivíduo.
Tente pois que, imbuído deste espírito de ponderação e moderação, a utilização que dê a estas tão preciosas ferramentas do século XXI lhe possa trazer dividendos pessoais e sociais no círculo fechado da sua família e amigos, fazendo simultaneamente um esforço para manter uma estanquicidade inviolável desse círculo para o exterior... que lhe permita ser anónimo quando queira, brilhando apenas nos momentos que desejar... quando e onde desejar.
 
 
In Medio Stat Virtus
Aristóteles
 
 
Afonso Gaiolas

sexta-feira, setembro 21, 2012

Terra do Gelo

Parta!
Deixe que o vento o leve para um lugar melhor, longe da rotina, da insatisfação, dos problemas sobrevalorizados e dos sentimentos oprimidos.
Olhe para o mundo, veja como nele se insere, como todos se lhe encaixam e  como são especiais todos os momentos de todas as rotações de todas as translações deste planeta.
Tenha a sorte de ver o mundo melhor do que os outros.
A perspetiva (quão sortudo) de quem olha de cima sem estar por cima, devolva-a quando está em baixo sem nunca chegar a estar por baixo.
A perspetiva de um mundo global, de ações e reações, de bons momentos que se transformam em melhores momentos, que se transformam nos melhores momentos.
Voltar renascido, voltar como quem nunca partiu e na verdade sempre esteve sem estar, voltar pronto para mudar e tornar especial o que vida insiste em querer tornar rotineiro.
Voltar para querer ser o primeiro, o único e verdadeiro ser que pode mudar uma vida que pode mudar muitas vidas que pode mudar o mundo.
Deixar de lado a angústia de um pai que não descansa sem certeza de uma vida melhor, para uma certeza de brilhantismo no olhar de três melhores que tudo mais, na convicção de leveza e naturalidade no sucesso, no rumo melhor no meio da tormenta, em escolhas que tornarão melhor o melhor dos mundos possíveis.
...
Deixe de tomar as coisas por certas, mantenha-se desperto, sente-se de manhã na cama onde o seu corpo de noite se deitou e lembre-A de que o mundo só gira porque ela existe, e que não existe espaço nem tempo nem longe nem perto nem noite nem manhã se não puderem olhar para dentro um do outro e sentir a mesma chama que os aqueceu há vinte e dois anos atrás... nem nunca ter precisado ter contado o tempo... porque ele nunca chegou a passar por nós... Guida.
...
É uma existência de ouro, aquela que tira prazer numa conversa desconversada com idosas testemunhas de uma religião que as preenche, no empurrar de uma bicicleta até um cão preto para que um cão preto nos empurre a nós poço de felicidade dentro, em percentagens de perímetro terrestre cumprido sem dever de cumprir, em abraços, em beijos, em saltos e quedas, em carinhos e canções e músicas de embalar... em amor eterno e no olhar mais terno...
...
Vi um mundo que ainda não é mundo.
Vi pessoas a caminho de se tornarem pessoas.
Vi a vida com olhos de quem vive, mas que (perdoem-me) por vezes se esquece que ainda vive.
Vi oceanos de fogo que fogo já não são, líquidos em pedra que líquidos gostariam de tornar.
...
Torne-se lava por dentro e por fora, sem nunca chegar a embrutecer.
Parta as pedras em que se transformou, mergulhe no mais gelado dos mares, suba o mais alto dos penhascos, coma tudo aquilo que nunca ousou nem sonhou, sinta o perigo do veneno sabendo que não morrerá, sinta-se dono de si, dono do mundo, dono da sua vontade... e deixe que a sua vontade o torne melhor, o limpe das pedras, o purifique nas águas, o proteja no alto e o faça arriscar sem nunca perder, ousar sem nunca temer e vencer sem sequer duvidar.
Troque as manhãs pelas tardes, o céu pelo chão, um carro por um avião, troque o sol pela lua, não deixe nunca de chamar amor àquela que é só sua, troque o nome dos seus filhos Alexandre por João João por Pedro  Pedro por Alexandre, jamais deixe de os chamar aos três para que iguais sejam no seu e no coração pequenino que é só deles... troque tudo sem nada trocar...
... porque no final... ter-lhes-á, apenas e só, mostrado o significado da palavra... amar.

Afonso Gaiolas