segunda-feira, março 30, 2009

Estado Final Desejado

A lenta caminhada, que iniciei há trinta e três translações terrenas, tem-me moldado o trilho e a passada, calma, paulatinamente na direcção de uma inexorável certeza incerta ou da incerteza acertada.
Graças à angústia da irrelevância, da efemeridade, da pequenez e do empedrado do caminho, consegui… penso que consegui… ou estarei a iludir-me que consegui… olhar para dentro de mim e descobrir o meu ovo de Colombo.
Numa das disciplinas específicas da arte da guerra, foi-me ensinado a exercitar a busca de soluções, identificando passos, linhas contínuas, paralelas ou convergentes, que conduzam a um Estado Final Desejado de determinada situação, problema ou conflito.
Percebi que a vida merecia que lhe dedicássemos um capítulo de estudo conducente à determinação de um Estado Final, em tudo semelhante à vertente militar que venho estudando nos últimos meses. Mas percebi… acima de tudo, com grande embaraço, que deambulei durante tantas luas sem destino palpável, tarefas escritas que guiem e reduzam a tendência do adiamento, características da feliz ignorância de quem permanece inconsciente da sua fragilidade e caducidade.
O alheamento a que nos sujeitamos e as preocupações de carácter higiénico que nos vedam o acesso à motivação intrínseca, tornam demasiado transparente e adiado o nosso momento de afirmação, perante nós mesmos e perante o mundo.
E se o derradeiro Inverno do nosso descontentamento chegar mais cedo do que o expectável, destroçando o tão paradoxal optimismo humano?
Pessoalmente, quero esperá-lo tão perto quanto possível do meu Estado Final Desejado, convicto porém (obviamente) de que muitos mais acontecimentos astronómicos terão lugar, antes do sol se extinguir no meu horizonte.
Sem enveredar pela personalização de objectivos, esses, tão pessoais que não ouso a exposição, passarei a explicar, aos menos familiarizados com este tema, onde está o sal que equilibra o ovo… indo além de Colombo.
Na dissertação acerca de catenárias e sinusóides, abordei a felicidade como veículo da percepção do mundo. Pois bem, esta é a primeira e principal tentação a que devemos resistir… a formulação de um Estado Final Desejado inapropriado, inalcançável ou limitativo. Inicialmente, julguei que estaria no artigo a resposta a esta primeira equação. Mas só depois de reflectir na dimensão da palavra felicidade, percebi que não seria apropriada a escolha. Desde logo porque correria o risco de já ter ultrapassado o meu Estado Final Desejado, por variadíssimas vezes!
Durante mais uma corrida vespertina cultural pela capital do nosso país, percebi que o Estado Final que desejo também se resume afinal numa palavra… Serenidade.
É este o desiderato que, alcançado, permite que o sorriso engrandeça, onde tudo o resto definha.
Muitos desdenharão da aparente simplicidade de tal anseio mas, a esses, que ainda não acordaram da dormência social a que se auto-sujeitaram, perdoar-lhes-ei a falta de visão crítica e passional do mundo que os rodeia. Acreditem, no entanto (mesmo esses), que este singelo vocábulo, fazendo juz à expressão anglo-saxónica "more than meets the eye", fará com que muitos centímetros sejam ainda adicionados ao monte Everest antes que a angústia se esfume e me consinta o vislumbre do romper da mais bela das auroras...
Após a definição do Estado Final Desejado, apenas resta, nas diversas linhas de actuação a ele conducentes (de carácter pessoal, familiar, financeiro, universal…), estabelecer pontos decisivos a alcançar que, quando atingidos, contribuam para a conquista do Estado Final Desejado.
E que melhor exemplificação deste conceito do que a generalização das três tarefas, tão tipicamente portuguesas, que o bom senso lusitano adoptou como limiar de realização pessoal de cada um... a árvore, o filho, o livro... não necessariamente por esta ordem.
Cada indivíduo, obviamente, com o livre arbítrio que caracteriza os seres desligados da subjugação a entidades divinas (os crentes alegarão inclusividade, que me escusarei a comentar), delineará o seu conjunto de pontos decisivos, pessoais e intransmissíveis, para no final, libertado e comprometido, assinar um compromisso com o sorriso que o espelho lhe devolve e começar a trabalhar sem demora.
Questionar-me-ão... um sentido para a vida?
Para mim, infelizmente, AINDA, apenas uma vida com sentido…


Afonso Gaiolas

1 comentário:

Fatima Carmo disse...

Mais uma vez, parabéns, Afonso, pela tua inesgotável capacidade de amadurecimento, pela lucidez sempre crescente com que vives a vida, pela "serenidade" que transparece e transborda do belissimo texto que acabaste de escrever. Todo o bicho-careto escreve livros. Tu és um escritor nato.Há dias um amigo meu dizia que o tempo é o melhor fermento. É mesmo uma questão de tempo. Vejo-te a voar nas palavras através do tempo. Quero viver o tempo suficiente para poder bater muitas palmas. Já agora, escreve o que eu te digo!
Um beijinho da sogra