terça-feira, outubro 02, 2007

Celas de chuto

Existem medidas difíceis. Existem medidas duras. Existem medidas draconianas. E existem... medidas estúpidas!
A visão do Estado e do conjunto de leis que o regem, a não ser utópica, orientada e orientadora no sentido do progresso social e moral, pode correr o risco de se tornar apenas paliativa da decadência reinante, ao invés de protectora da pureza espiritual... na demanda de uma sociedade um pouco menos imperfeita que a precedente.
Decidimos, em consciência grupal, que o aglomerado de substâncias a que vulgarmente denominamos drogas, nada traziam de benéfico para o grupo em que nos inserimos, apenas contribuindo para a alienação progressiva do indivíduo e a efémera conquista de um estatuto de "super-algo", a esfumar-se aos primeiros sinais de regeneração corporal.
Assumida esta decisão, é obrigação dos redactores das palavras basilares regedoras das regras de vivência em cada sociedade, a tradução desta vontade popular.
Poder-se-á argumentar que se pressente uma mudança progressiva de vontades, das dúvidas emergentes em estabelecer o que proibir e o que tolerar. Faça-se então um debate sério, uma consulta popular, o que for necessário para perceber a vontade da maioria, mas por favor, depois de tomadas as decisões, adequem-se as medidas para que elas sejam cumpridas.
Chega de subjectividade literária (lembrei-me do teu conselho, pai!).
Atormenta-me a alma que se combatam problemas com outros problemas.
Constatou-se a existência de um flagelo - a propagação galopante de doenças nos Estabelecimentos Estatais de Regeneração Moral (já que agora "embarcámos" na senda da pomposidade na descrição de cargos ou de locais, era útil aos mais distraídos que se identificassem então as prisões com o propósito último para o qual foram criadas), por via da partilha de artefactos artesanais de inserção de droga no organismo.
Não é necessário possuir um Q.I. de três dígitos para perceber que existe um problema a montante que, sendo resolvido, extingue o segundo. E que a tentativa de resolução do segundo, ignorando o primeiro, estabelece um precedente de reconhecimento de incapacidade muito perigoso, que fragiliza o Estado e os seus cidadãos.
Talvez seja casmurrice minha, mas gostaria que alguém me explicasse em que consiste a teoria da distribuição de "kits" de seringas nas prisões, precisamente o local onde se pretende que as pessoas se regenerem. E qual o propósito das ditas seringas? Já ouvi que para diminuir o número de contágios. Uma consequência da sua utilização, concordo, mas não o seu propósito... que é tão somente a injecção de droga no organismo. Gostava que alguém com responsabilidade decisória nesta matéria específica, reconhecesse publicamente (o que nas entrelinhas se lê nesta medida) a incompetência Estatal no controlo de entrada de substâncias ilícitas nas prisões, e a utilização do dinheiro de todos, não para combater este problema, mas para fornecer ferramentas de consumo àqueles que, ilegalmente, as conseguiram obter.
É espantoso.
Perante a possibilidade de regenerar um indivíduo viciado, anulamos a vantagem do controlo permanente, da abstinência forçada que potencie a vontade em seguir um programa de reabilitação, do apoio físico e psicológico... a favor do reconhecimento da falha em manter limpo o ambiente prisional, e do incentivo ao consumo, camuflado pelas bandeiras da saúde pública.
Qual é a mensagem que desejamos passar aos que, em virtude do seu desvio de comportamento do padrão social desejável, se encontram privados da liberdade?
Onde cabe o processo de (re)aprendizagem de vivência em sociedade e a regeneração física e espiritual, se o Estado mostra, neste "recinto escolar", que "se conseguirmos entrar para a sala de exame como uma cábula de tamanho liliputiano, o examinador prontamente nos disponibilizará uma lente aumentativa, para que consigamos adequadamente copiar, cumprindo assim o propósito de combater o flagelo da perda de acuidade visual dos alunos, por tamanho esforço de decifração de tão evoluído auxiliar de memória".
Ou a sofisticação da vestimenta do Rei não me permite vislumbrar para além do óbvio, ou então... ele vai mesmo nu!
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Afonso Gaiolas

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