quarta-feira, outubro 10, 2007

Desculpa-nos, Madeleine

Não resisti.
Depois de tanta tinta gasta a dissecar o caso do desaparecimento da menina Madeleine, também eu me sinto no direito-obrigação de exteriorizar uma série de angústias que interiormente me consomem, acerca deste triste acontecimento.
Descansem as almas mais agitadas, que não é minha intenção participar na contagem de espingardas dos defensores de cada tese, teorias da conspiração e outras fantasias de quem, à falta de fenómenos meteorológicos para discutir, se entretem a brincar à criminologia.
Não estranhem, no entanto, que também eu tenha uma opinião formada, que apenas com os mais chegados compartilho, fruto da minha visão instintiva (animalesca, se lhe quiserem chamar) da natureza e dos acontecimentos, fielmente retratada nos devaneios do artigo Aos que olhando, se recusam a sentir, que tanto gosto de permanentemente tentar validar.
Todos somos capazes do melhor e do pior.
Por muito que esta afirmação choque as mais virginais mentes, ela não só é verdadeira, como facilmente constatável nas mais diversas relações pessoais, nas mais variadas faixas etárias, e sobretudo nas circunstâncias em que cada um, em cada momento, se encontra. Quantos dos que acesamente defendem a justiça dos tribunais, resisitiriam à tentação de temporariamente vestirem a pele de cirurgiões estéticos faciais, se se deparassem presencialmente com alguém responsável por um qualquer crime atentatório da integridade física ou psicológica de um filho seu?
Independentemente do julgamento que façamos do exemplo anteriormente referido (que não é de todo inocente), é obrigação de todos, no entanto, de crescer por dentro, na mesma proporção em que fisicamente vamos amadurecendo, para que, quando chegar a nossa vez de passarmos o legado humano a mais uma geração, ela se possa orgulhar do caminho percorrido pelos seus ancestrais.
Gostava de começar por analisar o exemplo que dei para começar a zurzir a luva branca (e que se lixem os falsos moralismos e a conversa mole, que começo a ficar farto da complacência perante a negligência e o laxismo, de quem decide, sem equacionar a sua preparação física e mental, assumir a maior das responsabilidades que os seus ombros podem carregar).
A protecção da família é o bem mais precioso e inalienável que possuímos, subjugando a nossa própria protecção, se necessário for. E isto deveria ser válido para qualquer caucasiano, da mesma maneira que para qualquer outro indivíduo ou grupo de indivíduos, agrupados ou não por variações do seu fenótipo. Mas aparentemente a realidade parece ser bem diferente...
Quem não se apercebeu que, ao conceber um filho, inicia uma série de concessões voluntárias na restrição da sua liberdade individual, talvez não esteja ainda preparado para o novo desfio que tem pela frente. E isto passa pela consciência de que toda uma série de prazeres mundanos, a existirem, serão naturalmente afectados. Muitas das lendárias jantaradas e saídas nocturnas, férias radicais, ócio matutino e vespertino domingueiro, entre outros desvarios próprios da repentina chegada à idade adulta, se tornam muito mais ocasionais, com o advento da descendência.
O mais importante a reter é que esta tomada de consciência não é dependente da formação académica dos progenitores, como se pode depreender da atitude de dois digníssimos licenciados em medicina.
Existem duas formas, constatadas por quem se desloca em qualquer meio social, do mais degradado ao mais monetariamente selectivo, de contornar ou renunciar ao enunciado no anterior parágrafo. Ambas condenáveis, ambas merecedoras da mais severa reprimenda moral por parte de toda a sociedade. Uns, irresponsáveis, optam por fazer-se acompanhar das crianças, em locais e horas não recomendáveis a menores. Outros, ainda mais irresponsáveis, prosseguem para os mesmos locais, às mesmas horas, deixando as crianças entregues a si próprias, trancadas ou não em habitações permanentes ou temporárias, esperançadas que Hipnos cumpra a sua função divina sem falhas. Delegando, enfim, na sorte, a responsabilidade da protecção dos seus entes queridos que só a si compete.
Mas mais repugnante que ser negligente e egoísta, é sê-lo sem escrúpulos nem respeito pela integridade física dos que o idolatram. Não há nada pior para uma criança que a traição dos próprios pais. É intolerável que se mediquem desnecessariamente as crianças, apenas para conforto dos progenitores, porque, à excepção dos placebos, não conheço quaisquer outros medicamentos que sejam totalmente inócuos, especialmente em corpos em crescimento. E, neste caso, serão tanto mais responsáveis os pais, quanto mais formação académica tiverem adquirido ao longo da sua vida.
A infelicidade desta criança inglesa, qualquer que tenha sido, merece que, pelo menos, a generalidade da população adulta reflicta sobre a atenção e importância que está a dar aos que tornam os nossos dias mais azuis, e que os que estão prestes a tomar a grande decisão, meditem na sua real preparação para tamanha responsabilidade.
Desculpa-nos Madeleine, por não termos, atempadamente, repreendido os teus pais!
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Afonso Gaiolas

1 comentário:

Anónimo disse...

Uma frase nunca diz tudo mas às vezes aponta para direcções fundamentais. O que se espera de qualquer ser humano?
Coerência responsável, espírito de comunidade, compaixão e mais uma vez amor incondicional.
São os seres mais sensíveis que sem o saberem apontam para as falhas que os rodeiam e ...perdem porque não estão protegidos.
tia Paula