Ou, pelo contrário, à esmagadora maioria que considera ignóbil a quantidade de papel-moeda que recebe como contrapartida do trabalho que desempenha?
Se pertence ao clube dos sortudos sobre os quais falei em primeiro lugar, provavelmente receberá um ordenado tão obsceno que não tem coragem de reclamar do seu valor.
No meu caso, apesar de não me encaixar no perfil de obscenidade, consideraria equacionar ser correctamente remunerado em valor absoluto... mas decididamente muito subvalorizado em valor relativo.
Este tema do dinheiro, que tanta importância acabou por ter no final do século passado e primeira década deste que agora desponta, encaixa na perfeição no momento de sufoco financeiro que o país atravessa. Período este que só demonstra a falta de discernimento de quem gere os destinos de um povo (e já agora, do povo que se habituou a gritar e espernear para conseguir alcançar alguma mesquinha vantagem sectorial ou sindical). Se é admissível que todos se tenham deslumbrado pela acção governativa desregrada dos primeiros anos do pós-25 de Abril, recebendo como castigo um puxão de orelhas do tamanho de um fundo monetário que "supostamente" representa o mundo, reincidir no erro é manifestamente patético... e esgoto os adjectivos na qualificação da necessidade de uma terceira intervenção.
Mas é exactamente este o ponto em que nos encontramos.
Poque perdemos, ao longo de quase quatro décadas, a noção do que valíamos e do que a Nação dispunha para nos recompensar.
Porque subvertemos, invertemos e esquecemos o verdadeiro significado de ser, ter e dever!
E porque julgo que todos estes conceitos andam hoje perigosamente de mãos dadas, importa que se apliquem critérios de justiça e moralidade que não firam a coesão do tecido populacional que há tantos séculos habita tão precioso solo.
Para que não venha mais tarde a ser acusado de inconsequente e superficial, apregoando apenas uma moralidade vazia de operacionalização, exponho-vos a minha visão do que deve ser o programa de remunerações do Estado, ao longo de toda a vida de um cidadão.
O primeiro passo no sentido da criação deste programa é o estabelecimento de um valor monetário que, multiplicado por dois (estabelecendo assim como padrão familiar desejável a existência de duas pessoas adultas), possa constituir uma remuneração suficiente para que uma família possa viver condignamente (sem luxos) e educar dois filhos até à idade adulta.
Assumido este valor (que se assemelhará ao salário mínimo nacional - SMN... apenas no nome), posso iniciar o raciocínio.
Ao nascer, todas as crianças portuguesas receberiam do Estado uma conta poupança (resguardada da voracidade privada na CGD, o tal banco que a tantos apetece privatizar), no qual seria depositado um valor mensal que, partindo de um valor simbólico, cresceria numa progressão aritmétrica, até atingir o valor do SMN com o advento da idade adulta - os 18 anos.
Aí, dar-se-iam as primeiras escolhas pessoais.
Quem decidisse que o 12º ano de escolaridade seria o seu último numa sala de aulas, deixaria de receber este valor, pois seria integrado no mercado de trabalho indiferenciado.
Os que decidissem prosseguir os estudos, continuariam a receber sempre o mesmo valor (SMN), até que terminassem a licenciatura (21 anos), o mestrado (23 anos) ou o doutoramento (25 anos).
O valor atribuído pelo Estado a estes alunos cessaria imediatamente em caso de falta de aproveitamento escolar ou mau comportamento, em contexto escolar ou fora dele.
Suspeito que resolveríamos três problemas de uma vez só, mas é só mesmo uma suspeita...
O usufruto deste dinheiro seria pessoal, intransmissível e cativo até à idade adulta, altura em que o jovem teria a prerrogativa de lhe dar o destino que mais lhe aprouvesse.
A ideia seria fornecer as ferramentas necessárias a um início de vida activa sem recurso ao crédito (ou de uma forma muito limitada), quer para a auto-empregação, quer para acesso ao mercado imobiliário, gerando um potencial de autonomia, iniciativa e empreeendedorismo a toda a população jovem portuguesa.
Passada a idade da formação, entramos agora na fase do mercado de trabalho estatal. O mercado privado fica obviamente de fora deste ensaio, pois aqui deve funcionar a lei da oferta e da procura, embora seja ainda assim legítimo recomendar moralidade na luta pelos talentos.
O segundo grande passo é o estabelecimento de um tecto máximo de remunerações estatais que, a meu ver, se deverá situar num valor 10 vezes superior ao SMN, estando-lhe permanentemente indexado. A este valor poderão potencialmente aceder todos os cidadãos doutorados ou que desempenhem funções de reconhecido mérito e elevada exigência intelectual.
Será pois essencial estabelecer, sem ceder a quaisquer formas de pressão, uma equiparação de profissões, com base nos critérios estabelecidos anteriormente, e nunca com base em pressões sindicais, sectorais ou de qualquer outra espécie.
Aos cidadãos com o grau de mestre e com profissões equiparadas, o tecto máximo restringir-se-ia a 7 vezes o valor do SMN, aos licenciados 5 vezes e aos indivíduos apenas com o 12º ano, independentemente da profissão escolhida, 3 vezes o SMN.
Estes valores, específicos para cada profissão, poderiam ser atingidos aos 45 anos, ou seja, bem no coração da vida activa de cada cidadão, numa altura em que, potencialmente, mais necessidade de financiamento existirá na família. Evitar-se-ia, assim, que o tecto máximo da remuneração fosse atingido apenas 1 dia antes da reforma, numa altura em que a importância e necessidade do dinheiro decresceu já radicalmente (grandes investimentos pagos e filhos em idade adulta e autónomos financeiramente).
A reforma, início da fase de merecido descanso, meditação e contemplação perante o que a vida tem para realmente oferecer, começaria impreterivelmente aos 65 anos, de modo a que, em condições normais, restassem cerca de 20 anos de vida a cada pessoa(assumindo, para este estudo, 85 anos a idade da esperança média de vida portuguesa, sem distinção de género) para que desfrutasse deste novo momento da vida com bem entendesse. O objectivo seria transmitir às pessoas o ideal de que o trabalho não é O propósito da vida, não fazendo sentido apenas sobreviver para cumprir esta obrigação social.
Regressando à evolução monetária desde a entrada no mercado de trabalho, verificamos que, existindo uma progressão linear desde a entrada no mercado de trabalho até aos 45 anos, altura em que, potencialmente, se atingirá o topo monetário da carreira, essa progressão será tanto mais elevada quanto mais estudos tivermos atingido (por descolarmos mais tarde do SMN). Em contrapartida, quem ingressar mais cedo no mercado laboral, poderá começar imediatamente a evoluir monetariamente na direcção do seu topo salarial.
Respeitando a coerência do artigo anterior, ao invés de subidas mais acentuadas em função do bom desempenho profissional, seria a progressão anulada em anos de fraco desempenho, comprometendo imediatamente a chegada ao topo, que seria diminuído numa directa proporção da quantidade de anos retido em consequência do mau desempenho profissional.
Admitindo, no entanto, que um trabalhador, ao longo da sua vida activa, continuamente deu o melhor de si no serviço que escolheu desempenhar em prol da comunidade, veria a sua linha remuneratória permanecer no seu topo específico (em função da sua profissão, habilitações e desempenho ao longo da vida), até ao dia em que reformasse.
Entramos finalmente na fase pós-laboral, ou da reforma.
Já referi há pouco que seria inegociável a entrada nesta fase noutra idade que não os 65 anos, tendo explicado a razão filosófica por detrás desta escolha. Contudo, importa mencionar que acho estupidificante que se cedam a hipóteses puramente financeiras e, acima de tudo, egoístas, que levem os governantes a equacionar adiar a idade da reforma dos trabalhadores activos, apenas para alimentar alguns pensionistas que, durante três décadas, criaram leis à medida dos seus interesses pessoais, que salvaguardassem uma velhice dourada, vergonhosamente irresponsável porque ignorando conscientemente o pesado fardo que ofereceriam às gerações futuras.
Tentando não cometer os erros do passado, e mantendo simultaneamente um grau de justiça relativa e recompensa, não seria defensável que se sustentassem os valores da remuneração da vida activa, aquando da entrada na reforma, uma vez que já não se desempenha oficialmente qualquer actividade. Assim, neste modelo remuneratório, a partir do dia da reforma, iniciar-se-ia uma trajectória descendente linear, desde o topo salarial com que atingimos a reforma, qualquer que ele fosse, até ao valor do SMN, a atingir aos 85 anos, idade que convencionei para a esperança média de vida. Para além desta idade, seria mantido constante o valor do SMN, até que a natureza decidisse seguir o seu curso natural.
Este modelo contemplaria algumas variações à sua linearidade, em virtude das opções pessoais de cada um. Se um jovem decidisse iniciar um ano sabático após o final dos seus estudos, todo o gráfico escorregaria um ano, estando o topo da carreira apenas alcançável aos 46 anos. Durante esse ano de transição entre os estudos e o mercado de trabalho, o seu rendimento estatal seria nulo, assim permanecendo até que o seu serviço público se iniciasse.
Do mesmo modo, se a opção fosse o ingresso no mercado privado, a remuneração estatal manter-se-ia nula desde o final dos seus estudos até que atingisse os 85 anos, altura em que voltaria a receber o SMN vigente na altura.
Este modelo contemplaria algumas variações à sua linearidade, em virtude das opções pessoais de cada um. Se um jovem decidisse iniciar um ano sabático após o final dos seus estudos, todo o gráfico escorregaria um ano, estando o topo da carreira apenas alcançável aos 46 anos. Durante esse ano de transição entre os estudos e o mercado de trabalho, o seu rendimento estatal seria nulo, assim permanecendo até que o seu serviço público se iniciasse.
Do mesmo modo, se a opção fosse o ingresso no mercado privado, a remuneração estatal manter-se-ia nula desde o final dos seus estudos até que atingisse os 85 anos, altura em que voltaria a receber o SMN vigente na altura.
Estando consciente da polémica que todas estas medidas gerariam, permaneço convicto de que só deste modo se poderá fazer uma revolução silenciosa baseada, não em valor... mas em valores.
Um abraço,
Afonso Gaiolas
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