domingo, junho 12, 2011

Período de reflexão

Terminou mais um sufrágio nacional.
Uma vez mais, escolhemos quem nos representará na acção governativa, durante os próximos anos.
Verdes e vermelhos, azuis e laranjas, pretos e brancos, todos se esforçaram por atrair a atenção dos cidadãos votantes. Uns com mais, outros com menos recursos financeiros, todos desejaram dar um ar da sua graça e expor publicamente os motivos pelos quais mereceriam a confiança dos portugueses para que lhes fosse entregue a função de comandar o navio em tão conturbado oceano de dívidas e incertezas.
Não tenciono, nem hoje nem provavelmente nos próximos vinte e cinco anos, politizar o meu raciocínio falado ou escrito. Não será pois, esse, o objectivo deste artigo. Tão-somente me deterei no famigerado período de reflexão que, em virtude do seu incumprimento, foi este ano responsável por algumas detenções e levantamento de autos de contra-ordenação.
Diz então a lei eleitoral que, desde a véspera do dia das eleições até ao término do período de votação na região autónoma dos Açores (por a hora legal estar atrasada 60 minutos em relação à plataforma continental de Portugal), não é permitida a execução de propaganda eleitoral de qualquer espécie. Quer isto dizer que o incentivo ao voto discriminado está terminantemente proibido durante este período.
Diz também outra lei, desta feita a 97/88 de 17 de Agosto - Afixação e inscrição de mensagens de publicidade e propaganda, no número 2 do artigo 6º que, quanto aos meios amovíveis de propaganda, "compete às câmaras municipais, ouvidos os interessados, definir os prazos e condições de remoção dos meios de propaganda utilizados."
Estou absolutamente concordante com o texto da primeira lei, por julgar ser necessário uma pausa em todo o ruído de fundo, para que todos possam conscientemente julgar os protagonistas do processo.
Em relação à segunda lei, denota claramente um desajuste face à cultura mediterrânica de dobragem de regras em função da conveniência pessoal ou da colectividade que se representa. Não é admissível que se dê espaço de manobra às entidades políticas para que, utilizando as mais variadas formas de pressão e subterfúgios, possam protelar a retirada de toda a propaganda gráfica dos espaços públicos do nosso país, uma vez finda a campanha eleitoral.
Graças a este conveniente parágrafo legislativo, conseguimos assistir ao inqualificável paradoxo eleitoral de, ainda que sendo proibida a propaganda no dia da votação, o caminho que se percorre até à urna  poder ser um calvário visual de vota neste, vota naquele, ou vota ainda naqueloutro em cartazes megalómanos (ah... mas com garantia de inviolabilidade a quinhentos metros da mesa de voto... )!
Vou-me socorrer da redacção do número 1 do artigo 141º  da lei 14/79 de 16 de Maio - Lei Eleitoral da Assembleia da República para enfatizar tudo o que acabei de defender: - "aquele que no dia da eleição ou no anterior fizer propaganda eleitoral por qualquer meio será punido com prisão até seis meses e multa de 500$ a 5.000$."
Fiquei na dúvida se estaria a ser injusto com as pessoas ou instituições. É que na minha opinião, em última instância, também o presidente da câmara teria que ser responsabilizado, caso tivesse definido como prazo limite para a retirada da propaganda, uma data subsequente ao início do primeiro nanossegundo do período de reflexão.
Mas não, porque o vocábulo propaganda significa mesmo o conjunto de actos que têm por fim propagar uma ideia, opinião ou doutrina. E, claramente é exactamente disso que se trata, a quinhentos e um metros da urna de voto!
Todos nos habituámos a ver pinturas murais, cartazes megalómanos e outros de menores dimensões que perduram por vezes meses e anos sem que seja exigida a sua retirada ou responsabilizadas as instituições incumpridoras no processo de remoção. Por nos termos habituado, passa a ser admissível?
E que dizer quando a normalidade da ilegalidade consegue chegar a letra de lei?
Estupefactos?
Também eu!
Deixo-vos então a transcrição do número 2 do artigo 139º da mesmíssima Lei Eleitoral da Assembleia da República, que nos fala do dano em material de propaganda eleitoral: - "Não serão punidos os factos previstos no número anterior (destruição do material de propaganda) se o material de propaganda houver sido afixado na própria casa ou estabelecimento do agente sem o seu consentimento ou contiver matéria francamente desactualizada."
Pois bem, a lei reconhece aqui tacitamente a existência de propaganda não removida de eleições anteriores (que por ter atravessado o período de reflexão se constitui ilegal), apenas porque quer objectivar  a ilibação de qualquer pessoa de responsabilidades perante a sua destruição. No meu entender, devia era compensar pecuniariamente esse cidadão por ser ele a executar uma tarefa que a instituição política não realizou, e que o Estado se reconhece - em versão legislada - incompetente para solucionar!
Este é o tempo ideal para explicar às pessoas que a Nação Portuguesa assenta numa base sólida de igualdade perante a lei. Mas mais importante que isso... explicar aos seus redactores a bidireccionalidade da palavra igualdade, de modo a salvaguardar a permanente garantia de construções frásicas de carácter legislativo isentas de vontades pessoais, sindicais ou partidárias.
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"Fecha os olhos para não seres cego."
Virgílio Ferreira
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Um abraço,
Afonso Gaiolas  

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