quarta-feira, fevereiro 20, 2013

Mais viver sem viver mais

Imagina a esperança média de vida atingir os noventa anos de idade?
Fá-lo-ia feliz?
Tudo quanto possa representar a protelação do fim da existência soará sempre à melhor das notícias.
O problema é que enunciar o número noventa também faz ecoar as palavras velhice, vulnerabilidade, debilidade e caducidade.
Devemos então apontar baterias à otimização do potencial energético do ser humano até final da sua existência?
Sem dúvida.
Mas o verdadeiro segredo de mais viver reside em algo mais simples de imaginar, incrivelmente complicado de concretizar, e que em nada tem, paradoxalmente, a ver com a longevidade.
Dormiu bem a noite passada?
Se a resposta tiver sido afirmativa, é provável que oito horas tenha sido o tempo dispendido nesta função orgânica. E oito horas equivalem a um terço das vinte e quatro que constituem uma rotação terrena. E um terço será também o tempo dispendido, ao longo da sua vida (porque todas as noites, queirando ou não, dormirá) em funções regenerativas inconscientes, inconsciente do mundo que o rodeia, desperdiçando tempo precioso, em todas as idades, incluindo as de ouro a nível energético e cerebral!
Em estado de vigília contínua, proporcionalmente, noventa anos equivaleriam à vivência de cento e vinte segundo os padrões atuais. E isto sim, seria um salto evolutivo sem comparação na história da humanidade, superior mesmo ao bípedismo ou à manipulação consciente do fogo e da roda.
Antes do devaneio da eliminação do sono como o conhecemos, é necessário perceber realmente para que serve esta muleta biológica.
A resposta é tão ambígua quanto a natureza da pergunta o pode ser.
Estou convicto que algumas das teorias prevalecentes nos podem encaminhar para uma solução que se aproxime dos propósitos originais da arquitetura biológica subjacente a este ato. No entanto, a falta de certezas científicas deixa-nos na frágil posição de especuladores intelectuais na busca de uma razão para algo que, aparentemente, parece uma falha da natureza.
Como decerto todos concordamos que a natureza, tendencialmente, raras vezes se engana e ainda menos vezes lhe restam quaisquer dúvidas, resta-nos alvitrar alguns propósitos e/ou funções que sejam realmente necessários executar durante o sono, tão importantes que se sobreponham à necessidade de permanente alerta quando se joga o perigoso jogo de predadores e presas.
A teoria da inatividade, que se mescla com a ideia de conservação de energia espelhada na hibernação invernal, pode ser válida mas claramente insuficiente.
A teoria regenerativa pode, é certo, impulsionar as duas anteriores para um patamar de quase imprescindibilidade, mas é sem dúvida a teoria da elasticidade cerebral que acolhe mais adeptos, quando se trata do período de sono dos seres humanos.
Milhares de anos de evolução levaram a que o peso dado a cada uma das funções agora descritas tenha naturalmente variado, sempre com o propósito de melhorar a espécie e proporcionar-lhe mais oportunidades de sucesso e sobrevivência.
Será chegada a hora de equacionarmos a supressão de tão importante função biológica?
Talvez... suspiro, pensando que deveria escrever o quanto atrasados ainda estamos na escala de Kardashev... consciente de que não nos restam mais do que alguns, poucos, milhares de milhões de anos para resolvermos o nosso problema existencial...
Regressando ao cérebro, que será sempre a chave de todas as soluções...
A teoria da inatividade reclama para si um ideal de proteção intrínseca que advém do facto da diminuição de exposição aos perigos noturnos a um ser não adaptado à perda abrupta de luminosidade. Os seres humanos há muito eliminaram esta necessidade, quer por se terem (a pulso) colocado no topo da pirâmide que representa a cadeia alimentar, quer por terem dominado a arte de controlar o espectro eletromagnético situado entre a radiação infravermelha e ultravioleta.
A teoria da conservação de energia também deixou de ser um fator limitativo, a partir do momento em que os seres humanos deixaram de depender de fontes naturais diretas para a aquisição dos produtos energéticos que compensem as suas perdas diárias. Em qualquer ambiente, do mais inóspito ao mais benevolente, quer o vestuário, quer a alimentação, ambos à distância de um armário ou de uma prateleira, trouxeram um conforto inexcedível à humanidade, pelo garante da saciação sem esforço destas necessidades básicas.
Restam-nos as as duas funções mais complexas.
A função regenerativa, explicada cientificamente, parece ser exponenciada no período de letargia noturno, altura em que o combate aos radicais livres produzidos durante o dia pelas células na conversão de nutrientes em energia atinge o seu auge. Parece-me que, no entanto, se adequadamente manipuladas, tanto as células que geram este subproduto, como as enzimas que o combatem, podem ver a sua eficácia multiplicada, tornando desnecessário o período de repouso contínuo a que todos os mamíferos parecem estar sujeitos, após uma jornada diária de sobrevivência e prosperação.
Quanto à teoria da elasticidade cerebral, que faz reclamar para o período noturno a responsabilidade de edificação e consolidação das sinapses entre neurónios, em conjunto responsáveis pela memorização e apreensão de conhecimentos, não restam dúvidas acerca da sua imprescindibilidade. O processo de transformação da memória volátil em impressões definitivas contribui decisivamente para que, diariamente, todos os seres humanos se tornem melhores e mais capazes, individual e coletivamene, no caminho atribulado, enquanto espécie priveligiada, para a geração de uma consciência global que contribua para contrariar o fatal destino que a instabilidade do vácuo (grande amigo, este pequenito bosão de Higgs...) nos parece querer traçar.
Como contornar então esta necessidade?
A resposta parece estar naquele ser marinho que, em inteligência, muito pouco fica a dever a muitos seres humanos.
Este mamífero (irracional... porque racional só o esbelto humanóide) que alguém um dia já chamou "bolfinho", conseguiu treinar o seu cérebro para que, alternadamente, diferentes áreas pudessem entrar em modo de consolidação inconsciente, enquanto outras permanecem em plena atividade. Esta brilhante adaptação permite-lhe uma permanente vigília e, simultaneamente, a realização das mesmas tarefas que seriam supostas acontecer no período de inconsciência cerebral típico do sono.
Sendo certo que, provavelmente, esta adaptação apenas se deveu à necessidade deste mamífero tornar consciente o ato de respirar (que nos mamíferos terrestres placidamente se mantém inconsciente), fornece-nos, no entanto, uma pista preciosa no caminho da resolução deste problema humano de inatividade.
Imagina-se agora a sonhar acordado?
O fascínio pelo futuro só o é enquanto mantivermos a capacidade de imaginar para além do óbvio, evoluir para além do expectável e quebrar dogmas que aparentavam ser, temporal e espacialmente, imutáveis.
De pequenos passos para um homem, em gigantescos saltos evolutivos para a Humanidade (honrando a maior gaffe verbal da História)... rumo ao sexto tipo da escala civilizacional de Galantai.

Todos os homens que não sabem o que hão-de fazer desta vida
desejam outra, que nunca acabe.
Anatole France

Um abraço,

Afonso Gaiolas

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