Não me considero uma sumidade no domínio da linguística, nem de todo inflexível no que respeita à evolução da língua portuguesa, em função das necessidades reais de quem, a cada momento, a utiliza.
É verdade que assisto com alguma apreensão à proliferação desta nova forma de comunicação escrita abreviada, fruto da voracidade com que se pretendem transmitir pensamentos e sentimentos, quer pela rede computacional global, quer pelos novos dispositivos portáteis de indução de mutações celulares , que atingem hoje uma taxa de penetração tão elevada no nosso país que apenas encontram já paralelismo no número de simpatizantes e apoiantes do Benfica - aproximadamente 11 milhões, só em Portugal continental. Mas mesmo este tipo de escrita glutona tem um racional implícito, quer na poupança forçada de caracteres a que a tirania das mensagens escritas sujeita os seus utilizadores, quer na irreverência, mas simultaneamente fragilidade natural de quem, no auge da adolescência, pretende, por um lado, estabelecer um ponto de rotura com o "status quo" vigente, mas por outro, não se consegue libertar do jugo da tribo a que pertence, utilizando palavras e expressões mirabolantes, que nalguns casos, acredito que não goste, mas que o livra do rótulo de extraterrestre pelos seus pares. No meu caso, confesso que me divirto mais a tentar decifrar a escrita do canal SMS TV do que a assistir ao quadragésimo terceiro episódio dos Malucos do Riso.
Mas, se para estes devaneios da juventude, a atitude correcta é a tolerância, na convicção de que, tal como o "piercing" na língua, também este tipo de escrita desaparecerá com o advento dos dentes do siso, já para o "neo chico-espertismo" tipicamente português confesso que não tenho paciência. Piora um pouco se a proveniência for de alguém que exerça um cargo de elevada responsabilidade perante a Nação.
Ouvi há alguns dias um digníssimo deputado da assembleia da República (desconheço-lhe o nome, coloração política, ou mesmo se se mantém em funções após mais esta dança das cadeiras), produzir uma espantosa declaração à comunicação social, introduzindo, algures no seu discurso, as palavras realizaram e atendeu.
Estarão todos certamente a pensar por que raio haveria de implicar com estas duas conjugações verbais!!
Não terá esta ou qualquer outra pessoa a liberdade de as utilizar as vezes que desejar nas suas construções frásicas?
Concordo inteiramente com todos, incluindo os mais exaltados.
Passo no entanto a explicar!
Este famigerado senhor, na ânsia de exibir uma variedade e eloquência vocabular acima da média, considerou, a dada altura da sua exposição, que "as pessoas ainda não realizaram determinado assunto" e, posteriormente, que "determinada pessoa atendeu a uma conferência". Não é necessário recorrer ao dicionário para perceber o significado de ambas as palavras, mas para as entender neste contexto, nem com a ajuda da mais recente "versão brasilera"!
Demorei um pouco até perceber o mistério.
Melhor do que dar um sotaque inglês às palavras portuguesas e fazer um brilharete em qualquer situação, qual Zé zé Camarinha no reino dos Algarves, só mesmo pegar nas palavras inglesas, encontrar o mais aproximado equivalente português e utilizá-las no contexto em que seriam empregues no original anglo-saxónico. Infalível, especialmente para impressionar os papalvos que nunca saíram de Cacilhas.
O que mais me custa no meio de tudo isto é que, se um dia confrontassem este senhor com as monstruosidades que profere em nome da elegância pato bravista, muito provavelmente argumentaria que não tinha culpa, que a Assembleia da República não lhe tinha dado um curso de aperfeiçoamento da língua portuguesa e, muito provavelmente, tudo se resolveria com um subsídio da comunidade europeia para o auxílio às vítimas de enxovalhanço literário.
Fiquem bem!
The Jackal
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