Foi lançada recentemente uma campanha televisiva de promoção da marca Adidas, com uma frase a servir de porta-estandarte, que ecoa no meu subconsciente de cada vez que a leio, no final de cada sequência de imagens do anúncio.
"Impossible is nothing", do original em Inglês. Invencibilidade, como eu secretamente sempre gostei de lhe chamar.
Este sentimento, que não representa qualquer fenómeno competitivo com outros seres humanos, regeu a minha maneira de encarar o mundo durante quase trinta anos. Foi a época de ouro desta mole de células, no que à actividade física diz respeito. Não é fácil explicar este sentimento, a quem nunca a ele teve acesso. Penso que a melhor ilustração reside no exemplo, chegado hoje do rio Amazonas, atravessado em toda a sua extensão, a nado, por um ser humano, em pouco mais de dois meses. 99,99% dos espectadores do telejornal ficaram atónitos pela inverosimilhança de tal proeza. Mas 0,01% pensaram... quanto tempo disponível para treinar a cabeça e o corpo? Não se trata de fanfarronice... longe disso... apenas na tradução da frase do anúncio.
A invencibilidade que mencionei há pouco, reside na vitória permanente sobre o "eu" obscuro que povoa a nossa mente, e que nos impele a parar sempre que exigimos algum esforço maior sobre o nosso corpo; reside na sensação de tudo podermos, se assim o desejarmos.
Cometi algumas extravagâncias (aos olhos da sedentária maioria) durante estes anos, sem mediatismo nem visibilidade, por apenas querer demonstrar a validade desta teoria, pelo prazer inenarrável desta sensação.
Escrevo isto hoje... porque começo a sentir que a palavra que me serviu de armadura contra os mais rebuscados desafios me foge sob os pés, por me lembrar dos jogos de futebol sem relógio, das corridas sem destino, da apneia intemporal, das braçadas, do rolar das rodas dos patins e da bicicleta... sem cansaço. Mesmo quando me afastava de tudo isto por algum tempo, sabia que num estalar de dedos tudo voltaria ao normal, mas agora... já não tenho a certeza de o conseguir novamente.
Não é o corpo que me atraiçoa... sei que ainda tenho muitos bons anos de força pela frente... foi a cabeça que se esqueceu de quem manda em quem. E o demónio que expele o ácido láctico, sopra agora também a névoa que corrói a vontade de cumprir as três latinas palavras que reflectem o espírito olímpico. E é tão mais difícil derrotá-lo que à mais alta das escarpas...
Diz-se que as crianças têm muito vigor, que é impossível acompanhá-las nas brincadeiras, que não sabemos onde vão buscar tanta energia... mas a verdade é que à noite caem exaustas e, não raras vezes dizemos... "coitadinhos... estavam cansados... pudera, brincaram o dia todo".
Será que as campainhas não tocam quando ouvimos as palavras que nos saem da cavidade bucal? Não se ruborizam as faces de tanta bofetada de luva branca? Tanto mais, porque vindas de quem pouca consciência tem da complexidade do mundo!
A energia que possuímos é um bem esgotável, é verdade, mas com a idade deixamos de ter, paradoxalmente, consciência de quão fundo é o poço que a alberga. As crianças, por seu lado, nem se preocupam com isso, porque a vontade de brincar move a mais pesada das montanhas (embora se possa uma ou outra vez ouvir, mas por razões mais perversas... "mas assim o Alexandre fica cansado!").
Esta é uma batalha pessoal, que muitas pessoas perderam sem nunca sequer se terem apercebido de ter travado, e que se reflecte na maneira conformada de olhar o mundo, de um viver autómato, que embaraça se mencionado... e por isso negado pelo esvaziamento filosófico individual.
E eu, que me arvoro em campeão da astúcia no reconhecimento da subliminaridade do marketing e da publicidade, fico com vontade de comprar mais um par de sapatilhas!
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"Jamais o sol vê a sombra"
Leonardo da Vinci
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Afonso Gaiolas
2 comentários:
Ainda que a "invencibilidade" seja muito mais valiosa para quem a sente, há três corações neste mundo para os quais serás eternamente INVENCÍVEL!
Mimixa
Conheci os textos através da Ana Gaiolas e identificando-me com muitos artigos e também com este em particular. Queria manifestar apreço pela escrita e pelos temas abordados. Parabéns!
(neste último artigo a minha escolha de palavra para a expressão da Adidas também poderia ser: Perseverança.)
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