E se hoje, apenas porque podia, por um qualquer devaneio mental menos ponderado, decidisse privatizar os metros cúbicos de ar que pairam sobre a sua cabeça?
E se, em consequência de tal acção, o obrigasse a pagar à minha recém-constituída empresa, uma taxa de inalação da preciosa mistura de azoto, oxigénio, árgon, dióxido de carbono e outros gases menos abundantes, que constituiriam a minha mais-valia bolsista - a atmosfera (marca registada por mim!).
Mas iria mais longe ainda... para o forçar a adquirir os meus metros cúbicos de ar puro (a preços condizentes com uma empresa que detém o monopólio de exploração de um bem essencial), convenceria o poder local, regional e nacional da necessidade de injectar, nos espaços onde a minha jurisdição não me permitisse exercer tão nobre actividade profissional, uma replicação da atmosfera de Titã, que o metano é um gás que também deve merecer lugar de destaque na arquitectura ambiental e paisagística de um país.
Não lhe restaria outra opção... senão pagar para poder continuar a viver.
O radicalismo é terrível e tem destas coisas. Faz parecerem ridículos exemplos que não nos são familiares.
E em relação àqueles com que lidamos todos os dias, e que nos habituámos a aceitar como fatalidades?
Vivemos hoje um cenário de grande sufoco financeiro. À sobrecarga de impostos, adiciona-se a mistura explosiva de congelamento de remunerações e aumento de inflação.
Simultaneamente, a dieta mediterrânica sofre ferozes ataques das mega cadeias de restauração alimentar neocolonizadoras (que, fazendo juz ao nome... contribuem para o aumento da incidência do cancro do cólon na população), e nós, os principais interessados em manter tão saudável, mas sobretudo económico estilo de vida, nada fazemos para contrariar o que parece ser um ridículo destino.
A alegoria que vos apresentei no início do artigo tem o intuito de abanar consciências para um dos maiores exemplos de hipocrisia humana com que a nossa auto-proclamada avançada sociedade nos presenteia, e que foi sendo passivamente aceite ao longo de múltiplas gerações de Portugueses.
Se é verdade que todos se indignariam perante tamanha atmosférica atrocidade capitalista , por que razão não se incomodam se negarmos à população que não é dona de um pedaço de terra, o acesso a um bem de primeira necessidade que a natureza nos oferece desde o início dos tempos?
Se é verdade que todos se indignariam perante tamanha atmosférica atrocidade capitalista , por que razão não se incomodam se negarmos à população que não é dona de um pedaço de terra, o acesso a um bem de primeira necessidade que a natureza nos oferece desde o início dos tempos?
Quantas árvores de fruto conhece plantadas em espaços públicos, acessíveis a todos os cidadãos?
Dir-me-ão (sem surpresa, porque o vosso interlocutor é alentejano) que diversas localidades adoptaram o citrino como imagem de marca das suas ruas. Mas, surpresa das surpresas, são amargas as laranjas ou tangerinas que essas árvores nos oferecem.
Poderia ser pior?
Julgo que não.
Porque o racional maior de tamanha brutidade é a protecção dos produtores frutícolas e o seu negócio (lembram-se da marca registada atmosfera?)!!
Porque mesmo sem qualquer tratamento priveligiado, uma árvore autóctone florescerá e dará maravilhosos frutos, de fazer inveja ao Continente, Pingo Doce e afins, fazendo cair por terra o argumento da necessidade de mão-de-obra adicional.
E porque o argumento do roubo nocturno e contrabando não faria sentido, uma vez que estaríamos a falar de algo desprovido de valor local (por excesso de oferta).
Porque mesmo sem qualquer tratamento priveligiado, uma árvore autóctone florescerá e dará maravilhosos frutos, de fazer inveja ao Continente, Pingo Doce e afins, fazendo cair por terra o argumento da necessidade de mão-de-obra adicional.
E porque o argumento do roubo nocturno e contrabando não faria sentido, uma vez que estaríamos a falar de algo desprovido de valor local (por excesso de oferta).
Imaginem novo exemplo, para explicar este nível de hipocrisia.
Como se sentiria se, no parque onde habitualmente brinca com os seus filhos, cortassem a água do bebedouro público, com a justificação de que seria necessário proteger o negócio de venda de água engarrafada da esplanada contígua ao dito espaço?
E como é que, sendo certo que todos os exemplos anteriores nos indignam, no caso de se tratar de assegurar gratuitamente à população um precioso complemento nutricional, fonte de vitaminas, minerais, antioxidantes, entre outros componentes benéficos ao nosso organismo, assobiamos para o lado e fingimos não ver?
Ou pior, estamos tão embrenhados nas nossas vidinhas tão excitantezinhas, que nem nos apercebemos de quão estupidificados nos tornámos ao acharmos isto "normal"!
Estou apostado em exercer o meu círculo de influência para alterar o que conseguir, enquanto puder, para que o mundo fique um pouco melhor do que quando o encontrei (eu, o senhor Bear Grylls e todos os que abraçaram o espírito do escutismo como forma de vida). E nesse sentido, exorto-vos a, por um lado, intelectualmente promover este ideal de partilha comum e, por outro, fisicamente actuar à vossa escala, para mudar as mentalidades tacanhas de tantos intervenientes políticos do nosso país. No meu caso, carinhosamente protejo e sacio a sede a uma figueira alentejana imigrada em terras vidreiras, até que possamos todos, família, vizinhos e passarada indígena usufruir das propriedades laxantes, diuréticas e desintoxicantes de tão apreciado fruto, alimento preferencial dos atletas da Grécia Antiga e do meu pai também!
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"A mão que embala o berço é a mão que domina o mundo"
(Tente estender o seu berço para além da descendência. Verá que há muitas mais pessoas que também gostam / precisam de ser embaladas. No final, domine o mundo sem ceder ao lado negro da Força!)
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Um abraço,
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Afonso Gaiolas
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