sexta-feira, janeiro 11, 2013

Quem quer ser milionário?

Já deu por si a praguejar que pouca sorte ter escolhido a fila mais lenta do supermercado?
Ou a faixa mais lenta de uma via rápida lotada de tráfego automóvel?
Ou será que  inconscientemente valoriza mais os aspetos negativos de uma situação que lhe é desconfortável ou desfavorável à partida, menosprezando as conquistas ou aspetos positivos da mesma situação?
A psique humana é terrivelmente tendenciosa, e não raras vezes nos tolda a razão, levando-nos a ações das quais a própria razão se envergonharia.
Repudia certamente todos os casos de vício compulsivo em jogos de sorte e azar, em casos não raras vezes causadores de destruição pessoal e familiar, numa espiral destruidora que rivaliza com o mais impetuoso dos furacões.
Repudia... mas joga no euromilhões todas as semanas.
Repudia... mas lá raspa religiosamente o papelinho sempre que vai ao quiosque, disfarçada ou propositadamente para esse único fim.
Inócuo!
Que comparação ridícula!
Sem pés nem cabeça!
Pois...
O imposto dos pobres, digo eu a quem me quiser ouvir!
Desemprego a galopar para a segunda dezena percentual, impostos a aproveitar a boleia do galope, evolução dos salários em galope inverso... mas mil setecentos e vinte e sete milhões de euros gastos, apenas nos jogos sob a alçada da Santa casa da Misericórdia de Lisboa, nos mesmos 365 dias em que estes cavalos de corrida todos estiveram à solta.
Leu corretamente, mil setecentos e vinte sete milhões de euros.
Quer agora incluir o jogo tradicional de casino, ou as apostas futebolísticas e jogos de cartas on-line?
Decidi que não, que o número isolado dos chamados jogos sociais é suficientemente brutal.
Até porque o perfil do jogador de casino ou de cartas on-line é outro, mais sombrio e distante da adjetivação de pobre (conquanto o polvo o não tenha ainda envolvido nos seus tentáculos).
São, portanto, mil setecentos e vinte e sete milhões de euros excedentários no orçamento das famílias, as mesmas que argumentam não ter dinheiro para dar de comer aos filhos.
Mas dois euros por semana nada significam, argumentam os viciados de pequeno calibre, que iguais são na proporção do vício, se comparados com os grandes apostadores com rendimentos anuais grandes na proporção do grande gasto.
Significam pois muito.
Doze euros mensais (um euromilhões e uma raspadinha jogados por semana) representam dois e meio por cento do total da remuneração de um trabalhador que aufira o salário mínimo nacional.
O anúncio de um corte de dois e meio por cento nos salários dos trabalhadores representa duas avenidas e meia da liberdade de protestantes a vociferarem contra os sete mares, os sete ventos e os sete ministros que estiverem mais à mão.
Doze euros representam quase seis quilos de carne comprada em promoção no seu supermercado de referência.
Representam quase vinte quilos de arroz ou de massa na despensa de sua casa.
Na despensa da mesma casa onde os filhos vão para a escola com o pequeno almoço por tomar...
Pare para pensar.
Andou na escola... muito... pouco tempo... passeou os livros... ou deixou que os livros o passeassem...
Eu ajudo-o...
Não se assuste com a fórmula, só nos vai interessar mesmo o número final.

P(A) = 50!/5!/(50-5)! = 2,118,760
Calculada a probabilidade de acertar 5 números em 50 possíveis.

P(B) = 11!/2!/(11-2)! = 55
Calculada a probabilidade de acertar 2 estrelas em 11 possíveis

P(A) * P(B) = 2,118,760 * 55 = 116,531,800
Eis a probabilidade de acertar no Euromilhões!

É mesmo... 1 hipótese em 116531800.
Ainda assim, a voz interna que comanda o jogador diz... mas esse um posso ser eu.
Pois é, mas então não saia de casa... pois uma em cada setecentas mil são as hipóteses de ser atingido por um raio.
Já se recorda agora do início deste artigo?
Vou repetir, para lhe evitar o enfado de percorrer de novo os parágrafos em busca da resposta.
"Ou será que inconscientemente valoriza mais os aspetos negativos de uma situação que lhe é desconfortável ou desfavorável à partida, menosprezando as conquistas ou aspetos positivos da mesma situação?"
Esta é a frase que o compele a sair de casa... pois não hei-de ser eu um dos 700000 a acrescentar carbonizado ao rol de alcunhas que foi adquirindo ao longo da vida.
Mas o mais importante é que o inverso desta frase o compele a continuar a desbaratar os seus escassos recursos financeiros no jogo, pois uma vez que a situação lhe é muito confortável e favorável (o sonho de imaginar o que faria com tantos milhões de euros, ou o prazer das palavras de irónica despedida que diria ao seu patrão no ato da desdenhosa renúncia à escravidão operária), o fará valorizar muito mais as conquistas e os aspetos positivos do que as perdas consecutivas e acumuladas que nunca reconhecerá ou menosprezará.
Resta-me pois desmontar o último dos argumentos dos jogadores...
Que o sonho e a imaginação da vida milionária ajudam a passar os dias de miséria física e moral, num mundo que não se lembra nem tão pouco se importa com a exploração dos mais pobres?
A estes... apenas uma pergunta...
Aceitaria tomar o comprimido azul, ao invés do vermelho?


 

Menino: Não tente dobrar a colher. Não vai ser possível.
Em vez disso, tente apenas perceber a verdade.
Neo: Que verdade?
Menino: Que a colher não existe.
Neo: A colher não existe?
Menino: Então verá que não é a colher que se dobra, apenas você.

THE MATRIX


Afonso Gaiolas

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